Meu trabalho em Berlim

Definir prioridades priorizando qualidade de vida

Originalmente postado em 12.03.2019

Quando comecei a trabalhar fiquei impressionada com a falta de assuntos de cunho pessoal, com o fato de ninguém abrir o próprio email ou atender o telefone. Afinal, there’s no fun in Germany.

Lembra desse meme?

Eu só tive experiência com uma empresa na Alemanha até o momento, então não sei se tive sorte ou se é um padrão. Diversas vezes no escritório me disseram pra não levar o trabalho pra casa. “Eu faço isso, você tem uma família, eu não”. Família é mais importante, saúde é mais importante.

Na minha entrevista de emprego, o entrevistador era o diretor de operações da empresa, atualmente meu chefe direto. Não me lembro de ele ter perguntando se eu tinha filhos, mas eu mencionei a filhota ao dizer que não gostaria de fazer o trabalho em horário integral. A resposta foi que eu poderia fazer 30 ao invés de 40 horas, pois a diferença do salário não compensaria minha ausência na vida de uma criança pequena. “Se eu fosse pai não trabalharia horário integral”. Chamei a miúda de “meu melhor projeto” e ele me disse sorrindo que com esse nunca iriam competir. Anotado.

Tive uma enxaqueca na sexta passada e meu fim de semana ficou esquisito. Me senti cansada na segunda. As 15h, pouco antes de sair, pedi a terça de férias pro novo chefe (que está no cargo há uma semana), ele disse “sem problemas, eu fico no floor, é bom pra me familiarizar com a equipe”.

Achei prudente avisar o atual chefe, mandei um whatsapp com algo como “Amanhã não virei, preciso ficar em casa. Minha enxaqueca não foi totalmente embora. Vou, porém, checar os emails pois tenho uma call com cliente X as 13h”. A resposta que recebi foi exatamente: “Sure. Take some rest. And don’t work too much.”

Aprendendo a língua :)

Sou chefe de uma equipe de 15 pessoas em expansão, tenho 3 pessoas de confiança (algo que seria como coordenadores) que junto dos meus dois chefes fazem minha presença saudavelmente dispensável por alguns dias. Ou duas semanas. Na ausência de um deles eu também faço o que estiver ao meu alcance pra minimizar o impacto.

Férias na Alemanha

Normalmente as pessoas têm de 25 a 30 dias úteis de licença paga por ano. Eles podem ser tirados isoladamente – como meu dia de hoje – ou em sequência. Ou seja, por serem dias úteis – ao contrário do Brasil -, uma sexta e uma segunda debitam só 2 dias no seu acordo e você naturalmente usa 4. Metade de um dia também pode ser usado – por exemplo pra uma visita ao médico.

Normalmente a cada mês trabalhado você está elegível a 2 dias de férias que podem ser acumulados, mas de preferência não muito, ha. Enquanto gestora, eu instruo que os dias isolados sejam solicitados no mais tardar na semana anterior e sequências com pelo menos um mês de antecedência — porém férias próximas ao Natal e de verão começam a ser planejadas com 3 ou 4 meses de antecedência. Assim consigo evitar ausências concomitantes de pessoas com mesmos habilidades/perfis.

Acontece as vezes de eu ir até um funcionário e pedir por gentileza pra ele agendar férias, porque em quase 5 meses ele pediu nenhum dia, ou poucos. O ideal é que, antes de cada 12 meses de trabalho serem finalizados, todos os 26 dias ou boa parte deles já tenham sido usados.

Fun facts about Germany

Eu vivo a seriedade com que a Alemanha é vista, mas também vejo uma Berlim despojada em uma média de 3 minutos por semana no meu trabalho. Sim, isso foi uma tentativa de piada ruim como as diversas que eu solto em momentos inoportunos e quase ninguém ri.

Dentro do escritório há muito pouco tempo hábil pra relações se tornarem uma amizade, porém há um imenso respeito pela necessidade do funcionário em passar tempo com sua família ou simplesmente fora do escritório.

Além disso, estranhamente pra uma brasileira como eu, existe uma verba pra gente passar algumas horas juntos fora do ambiente formal a cada 3 meses, visando nos conhecermos melhor.

Tem hora pra tudo: até pro happy hour. Now go back to work.

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Que rotina?

Nos últimos anos, se você é minimamente ligado no tema já teve acesso a algumas dezenas de artigos que tratam da culpa materna. Há um crescente movimento contra a romantização maternidade e da gestação. Um Viva a estes processos, porque a gente não merece passar a vida achando que é a única mãe imperfeita do mundo.

Aqui, em meio a uma fofura sem fim e meu eterno encantamento pelo desenvolvimento da pequena, eu tenho sofrido diariamente – e excessivamente – pelo fato dela não estar conseguindo entender a rotina. Estamos na seqüência mudança de casa > mudança de país > sol se pondo antes das 16h > dois anos > escola nova (eu já li sobre uma fase de regressão do padrão de sono aos dois anos, me apeguei ao motivo).

Tô careca de saber que passa. Mas tá sendo duro botar ela pra dormir 2-4 vezes por noite, sempre bem depois das benditas 21h, que foi o horário dela literalmente desde o dia que nasceu.

Fico zonza de tensão conforme as horas da soneca da tarde vão passando. Quando ela acorda e vê que está escuro lá fora é um sacrifício fazê-la entender que ainda não é hora de dormir. Junta tudo isso com o apreço ao “eu não quelo” dos últimos dias… É dureza.

Como mencionei no último post, sou boa em relativizar os sentimentos, então tenho me policiado pra tentar suavizar o meu desespero, hahaha. Mas é difícil e, apesar de estar curtindo a temperatura, o aprendizado e cuidando de tudo pro inverno ser mais suave, eu estou contando os dias pro solstício.

Eu parei há alguns anos de encarar a virada do ano como um recomeço, mas saber que a partir do Natal nossos dias voltam a ser maiores me faz desejar 2017 todos os dias.

Continuo a nadar.

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