Capítulo 6 – O Urso

Capítulo 6

Falei, falei e falei no texto passado sobre um monte de coisiquinhas, rodeei tanto que deu até uma vertigem aqui. Mas se tem algo que me motiva a escrever é dar nome aos bois, porque só se pode entender e superar aquilo que é definido. 

Eu tenho vivido com um urso. Acordo, olho pro relógio, são 4:00. Tenho energia, mas se eu levantar eu vou sucumbir antes das 10:00. Dormir de novo seria melhor, mas o urso tá com fome. Passo 30 minutos tentando ignorar a fome até que desisto, levanto, tiro a placa dos dentes, pego qualquer coisa fácil de mastigar, de preferência no escuro e de olho fechado pra não despertar totalmente, volto a dormir tentando ignorar que sem a placa eu posso acabar acordando com dor, se é que a dor já não chegou.

O alarme toca às 6:02 – que eu não gosto de usar horários redondos nos meus alarmes – eu devia levantar agora pra dar tempo de escrever o sonho, alongar pra aquecer o corpo, rezar, fazer o chá {saudades café}, mas o urso tá deitado em cima de mim e mal consigo me mover. Tem outro alarme às 6:18, talvez ele saia até lá? Mas não, não sai. Eu consigo girar o urso e me arrastar por baixo dele pra sair da cama, mas só depois do snooze, são 6:23 não dá mais tempo da rotina da manhã. Preciso arrumar o lanche da miúda {semanalmente penso “porque eu não fiz isso no dia anterior? ah é, porque os ingredientes ressecam”}, depois checo algumas vezes se já coloquei na mochila a lancheira e a garrafinha de água. Tenho 5 minutos antes de acordar a Luiza, dá tempo de alongar alguma coisa. Me espreguiço, começo uma sequência de Yoga e no terceiro movimento eu me lembro que não coloquei a água que ferveu dentro da caneca, logo não fiz chá. levanto pra resolver e não termino o exercício. Acordo a meninoca e a partir daí , na cia dela, as coisas acontecem meio que de forma mais automática – mesmo quando a enxaqueca ataca.

O urso típico do meu bairro em Berlim

Enquanto o corpo faz o que precisa ser feito a cabeça tagarela: estou falando demais? Estou falando de menos? Será que essa dor vai aumentar? Dá tempo de sentar pra tomar café junto da minha filha? Mal sentei e já preciso levantar porque esqueci algo! Preciso me vestir, será que ela se sente desconfortável porque a deixo comer sozinha? Será que to falando demais na cabeça dela? Estamos atrasadas? Dá tempo de levar a cachorrinha? Esqueci algo? 

Respiro fundo e relaxo os ombros e a mandíbula. Não há uma só vez que pense em ‘relaxar os ombros’ que eles não estivessem tensos. Recentemente percebi uma sutil tensão também na região interna dos olhos, e toda vez que relaxo essa parte me pergunto se essa tensão não é relevante no gatilho da enxaqueca. Por que é que meu corpo está sempre tenso? E por nossa senhora da bicicletinha, como posso ser capaz de ‘overthink’ meu exercício de relaxamento? 

Eu percebo que se eu pego o celular, nesse reflexo que automatizamos de catar o dito cujo quando nada está acontecendo – o urso me agarra pelo pescoço, escala minhas costas e senta nos meus ombros. Às vezes ele repuxa meus tendões dos pulsos e ombros.

Quando finalmente saio de casa, seja pra levar a Luiza pra escola, pra ir a uma consulta ou pra fisioterapia, o urso que estava até então sentadinho no meu ombro adormece deixando o corpo pesar de uma forma desequilibrada, apoiado na minha cabeça, ombro e braços. E eu sigo caminhando, mas só porque, há não muito tempo, eu parava e voltava pra cama, mas daí o peso do urso me sufocava e o jeito era dormir com a angústia de saber que em algum momento eu tenho que levantar apesar do peso continuar ali. 

Sendo bem honesta, o urso também sobe em cima de mim quando vou arrumar a casa, tomar banho, cozinhar, ler um livro, fazer esporte ou qualquer outra coisa, agradável ou não. Recentemente, porém, o danado parece estar mais desperto, talvez tenha perdido peso. É mais fácil me locomover e consigo bem devagar fazer coisas uma por uma, sem muita ambição {e sem pegar o celular}. 

Resumindo bem, desde que tive o COVID em 2020 eu desenvolvi 1- um problema circulatório ainda sem nome mas similar à síndrome de Raynaud, 2- a piora progressiva agressiva e desgastante da enxaqueca, 3- dificuldades na visão, 4- O tal brain fog com uma falta de concentração que não tá no gibi e a evasão da capacidade de ligar os lé com os cré. Eu que me gabava de resolver problemas complexos hoje em dia desenho palitinhos pra fazer conta de subtrair. Elaborava planilhas e agora eu olho pra elas e parece que tô olhando hieróglifos. 

Essa situação toda atropelando minha vida me rendeu esse urso, que aqui chamam de Depression; no Brasil depressão. Na minha família e na minha vida não é nenhuma novidade, infelizmente. Tive em pelo menos 3 ocasiões uns bichos desses, manifestados em outras formas entre meus 18 e 29 anos. Quanto mais leve fica o urso mais eu consigo me mover e, já que ele não é meu, continuo não o alimentando para ver se ele vai embora logo. Assim como a fase difícil da minha enxaqueca, é uma desagradável visita de quem eu não conseguiria me livrar sozinha; então eu peço ajuda, converso, escrevo, pesquiso, aceito, me acolho, insisto, choro e, se preciso for, eu durmo.

Eu quis reiterar o texto anterior quando bati na tecla no cansaço porque me comprometo com a honestidade do meu discurso, pois o que se escreve lá do fundo, com clareza e verdade, tende a abraçar quem precisava e me trazer abraços de quem me inspira. Eu gostaria de fazer um bota-fora pro urso nos últimos dias de 2022, mas tendo experiência com ursos e sabendo que eu são teimosos; vou me lançar às mandingas de ano novo e prometer me movimentar mais, quem sabe um dia desses eu não volto a me exercitar e ele despenca de cima de mim? :)

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