Luiza ouve o barulho da máquina de lavar:
– tá lavando louça mamãe?
– não filha, tô lavando roupa!
– lavando a louça da roupa!
pra quem ainda não tinha entendido a “adolescência” dos bebês.
Luiza ouve o barulho da máquina de lavar:
– tá lavando louça mamãe?
– não filha, tô lavando roupa!
– lavando a louça da roupa!
pra quem ainda não tinha entendido a “adolescência” dos bebês.
Luiza descabelada de pijama e carinha de sono, recém acordada:
– filha, sabe onde a mamãe quer ir hoje?
– no Lidl (um dos mercados aqui perto)
– não filha, hoje é domingo, o Lidl está fechado.
– domingo (seríssima)
– sim, hoje é domingo, mamãe quer ir pro par…
– qui-nhooooooo!
– isso, hoje é domingo e mamãe vai pro parquinho
– mamãe vai pro domingo e vai pro parquinho
– hoje é domingo e a gente vai pro parquinho
– a gente vai pro domingo, mamãe!
Introdução aos dias da semana com a mini pessoa que adora palavras novas.
Eu não diria que choro de saudade. Sou chorona, mas o que dispara meu choro normalmente é a lindeza, não o sorfimento. Eu chorei por diversas vezes desde que pus meus pés em Berlim e, confesso que, na maioria das vezes, o motivo era uma luz dourada batendo num prédio bonito, uma cena cheia de humanidade ou o desenho do horizonte harmonizando com o céu.
Por herança espiritual ou criação (ou por nenhum motivo) eu nunca fui daquelas pessoas que antes da terceira cerveja beija/abraça/distribui contato físico aleatoriamente sem constrangimento. As pessoas precisavam de um certo status na minha cabeça pra invadirem a bolha que delineava meu espaço físico. Ironicamente eu fiz muitos amigos explicando/satirizando minha Teoria da Bolha no fim dos anos 90 e início dos anos 2000.
Com isso, por anos tive a percepção de que não gostava de gente – que na verdade é de longe o meu maior interesse. Levei um bom tempo entendendo que cada coisa é uma coisa e passei a me expressar melhor – e melhor ainda por escrito. Meus abraços existem, são ótimos e os distribuo às pessoas mais queridas do meu mundo.
Eu acredito na capacidade de resiliência das pessoas e, de certo modo, na reprogramação que podemos fazer ao buscarmos novos significados para as sensações de sempre. Não desmereço nenhuma dor e acho que toda ressignificação real acontece de forma gradativa; com entendimento, aceitação, busca interna e por fim a vivência (ou Entrego-Confio-Aceito-Agradeço). Vejam que, quando enumero o processo, não tenho nenhuma propriedade para instaurar tais etapas como verdade. É uma mera análise do que minha terapia me ensinou e como eu consigo lidar com as adversidades automaticamente hoje em dia.
Quando sinto saudade e meus olhos se enchem de lágrimas eu foco na percepção de que é um privilégio poder estar aqui do outro lado do Atlântico, com mil planos e no meio de tanta coisa nova pra aprender e me inspirar. No fim sinto gratidão por ter gente tão querida que me deixa marcas tão positivas na existência e dou um sorriso. Em poucas ocasiões a angústia veio, mas foi assim que a mandei embora… com amor.
Já disse disse que temos sofá cama? Aguardando visitas e abraços.
Eu venho fazendo notas mentais das maravilhas que Luiza diz, porém já faz um tempo que ela tem muita propriedade pra dizer o que quer, e a dicção está cada dia mais “adulta” (o que é engraçado pelo tamanico dela e meio triste pois ela raramente solta um termo bebezento). Sendo assim, por escrito perde toda a graça; não tem como demonstrar a entonação, a pequenez da voz nem os trejeitinhos.
Enfim nos últimos dias, talvez pelo excesso de informação que ela vem recebendo, o cérebro da pequena começou a dar uns nós. Daí eu penso: agora sim temos conteúdo pra um post, haha.
Luiza tem confundido a palavra consegui com consertei. Com isso ela tenta subir em algo e fala “eu não conserto”. Termina um quebra cabeça e fala “eu consertei” – o que faz todo o sentido do mundo. E quando o pai põe pilha em algo ela fala que ele consegou.
“Tá” e “Já” também estão dando trabalho. “Eu tá acordei, mamãe”. “O Bebel já dormindo, Golias já dormindo, Papai já dormindo…”.
Ela confunde a tia Joice com o George irmão da Peppa. Então vê a foto da tia e fala “tia George”. Essa semana encontramos a tia Ju e o tio Guigo, ela chegou em casa perguntando pela tia Gugu.
Eu a vi carregando uma sacola de mercado com estampa de gato. “Filha, onde você vai com a bolsa do gatinho?”. E ela responde “É sacola” (hahah). Outro dia ela queria perguntar sobre, mas esqueceu a palavra, daí disse “cadê aaaa… aaaa… aaaa… aaa… a caixa do gatinho?”. Sim, porque na sacola se guardam as coisas, assim como na caixa. Justíssima troca.
Até um dia desses ela dizia Dipuca quando queria falar desculpa. Agora é deculpa. Reconhece a letra U pra todo lado que vai, por conta do metrô daqui. Adora números, eu digo: “olha filha! Dois gatinhos!” e ela olha pros mesmos dois e diz “olha, quatro gatinhos!”. Papai fez dez anos, tia dinda tem quatro.
Essa noite ela estava um pouco febril e às 3h00 da manhã sentou na cama e disse “quelo ver Pocoyo na telesão” e ela mesmo respondeu “Telesão tá istagado. Não. Telesão tá dumindo, tá cansado… Papai tá cansado, Luiza tá cansado, a Galinha Pitadiha tá cansado… telesão tá cansado…”
A falação não pára durante o sono. Entre uma virada e outra ela balbucia coisas como “eu quelo dançar na sala”, “melancia”, “a bolinha lalanja caiu”, “cuidado Qua-qua!” e um quase que diário “papaiiiii? papaiiii?” seguido de nada.
Em menos de um mês completaremos 2 anos dessa viagem louca que é ser mãe/pai/filha. Ela nos encoraja e alegra todos os dias, nos dá novas perspectivas pra todos os olhares e ajuda a trazer paz pros nossos corações. Todos os dias. A gratidão só aumenta, o amor também.
¿Si eres un gran pianista, y te corto un brazo, que haces? -Me dedico a pintar
¿Si eres un gran pintor, y te corto el otro brazo, que haces? -Me dedico a bailar
¿Si eres un gran bailarín, y te corto las piernas, que haces? -Me dedico a cantar.
¿Si eres un gran cantante, y te corto la arganta, que haces? -Como estoy muerto, pido que con mi piel se fabrique un hermoso tambor.
¿Y si quemo el tambor que haces? -Me convierto en una nube que tome todas las formas.
¿Y si la nube se disuelve que haces? -Me convierto en lluvia y hago que nazcan las hierbas.
¡GANASTE!!,
Me sentiré muy solo el día que no estés… -Si algún día te sientes solo busca la maravillosa ciudad de tar…
alejandro jodorowsky
Luiza vem com um fone de ouvido na mão:
– Mamãe, pode ouvir a música do Bita.
– Filha, mas a mamãe não quer mais ouvir o Bita. Mamãe gosta é de rock’n’roll.
– Pode ouvir a música do Bita.
– Filha, você sabe do que a mamãe gosta?
– Patati Patatá. Bita. Patatá.
– A mamãe gosta de rock’n’roll, filha.
– Rockoll.
– Posso te mostrar a música que eu gosto?
Coloco uma música do QotSA das mais lights, começo a cantar junto. Ela corre, busca o iPad e coloca o Bita no Spotify e vem cantando e dançando com muito mais entusiasmo do que eu.
Desliguei o meu som e tô aqui ouvindo Bita com ela.
Sendo mãe. Desde 2014.
PRIMEIRO ATO
Ontem fomos ao Jungenamt atrás do Kita Gutschein pra podermos colocar Luiza no KiTa.
(Viram como eu disse ali umas palavras que só fazem sentido aqui? Pois é, essa é minha esperança. Eu vou aprender alemão, aguarde e confie)
O Jungenamt é o nosso juizado de menores e, ao contrário do Brasil, pra matricular um filho na escolinha (Kita) devemos ter uma “autorização” – literalmente um voucher (Gutschein) – dizendo por quantas horas você pode deixá-lo lá. Posso estar perdendo alguns pontos da explicação, mas basicamente é isso.
Daí uma amiga me ajudou preenchendo os documentos online e eu reuni todos os dados necessários (registro de residência na cidade, cópias de passaporte e matrícula no curso de alemão – ainda faltou o documento que comprova o trabalho do Fabricio). Sim, amigos, estamos num país extremamente burocrático. A diferença é que aqui a burocracia não é redundante, ela é extensa porém direta.
Enfim, depois de um grande esforço pra entender onde era o local onde eu deveria entregar a documentação, jogamos o endereço no Google Maps nosso mais fiel escudeiro e tomamos dois ônibus até lá. Chegamos cerca de 20 min antes do fim do horário de atendimento. No primeiro ponto eu perguntei se podia falar inglês, o rapaz me respondeu que não – em alemão, claro. Apontei pro documento que eu tinha em mãos e ele me respondeu em inglês pra eu ir até o Infopoint.
Sim, eles me parecem confusos às vezes.
No Infopoint, que era bem na porta desse prédio gigante e lindo – que eu me arrependo no momento por não ter fotografado, mas o farei em breve – eu fiquei esperando até que algum dos dois pontos de atendimento vagassem. Porque já aprendi aqui que você aborda o atendente, e não o contrário.
Neste momento, meus amigos, algo muito emocionante me aconteceu: eu proferi meia dúzia de palavras em alemão e… ELA ME ENTENDEU! (inserir fogos de artifício aqui) Eu tive muito orgulho de mim por ter conseguido me comunicar. Mas obviamente não entendi praticamente nada do que ela me disse. Só post e haus, logo eu soube que me mandariam o que quer que fosse pelo correio. Claro, fiquei insegura e pedi minha amiga pra perguntar se era isso mesmo pelo áudio do whatsapp, que eu mostrei pra tia e mandei outro de volta com a resposta pra ela me confirmar.
Resultado: funcionou. Preciso voltar lá pra terminar de entregar a documentação, mas o processo está encaminhado.
SEGUNDO ATO
No Kita, preenchendo o papel de requerimento de vaga (sim, porque não basta o voucher, você ainda luta até conseguir uma vaga).
Atendente: Endereço?
Cintia: Merseburger strasse
A: Bitte?
C: Merseburger strasse
A: Sorry, I don’t get it.
C: Merseburger strasse. Let me show you (e abro o Google Maps mostrando o nome da rua)
A: Ah, ok. Merseburger strasse.
C: Como vocês pronunciam em alemão?
A: Merseburger strasse.
(este diálogo aconteceu em inglês)
Eu juro que falei a mesma coisa que ouvi. Juro. Ela só disse mais devagar. Tem alguma coisa muito errada.
Sim, às vezes eu pareço confusa pra eles.
E a aventura continua.
Eu já disse que nossa chegada tem sido suave?
Gente, nenhuma expatriação é serena. Nem as mais suaves. Ela tem sido relativamente branda, agraciada pelo humor da Luiza que ama “todo mundo” (segundo ela mesma) e por diversos anjos sem asas que Deus nos enviou em forma de amigos. Mas a gente estranha, né? Acho que é isso, deve ser um estranhamento.
Eu sempre agradeço pelos desafios que tenho pela frente. Costumo dizer que foco num problema de médio prazo de solução pra ir direcionando minha energia de forma otimizada e ir calculando o tempo das coisas. Mas na verdade é só um jeito de diminuir a ansiedade, já que a vida é essa sequência doida de coisas a serem resolvidas com breves momentos de relaxamento entre eles.
E falando em ansiedade, na semana passada eu dei uma piradinha. Foram 3 dias de muita ansiedade coroados por TOC. Não foi nem perto das grandes crises que já tive na vida – pudera, depois de tanto tempo, esforço, tratamento, auto conhecimento, conexão espiritual… as coisas mudam. Amém.
De um instante pra outro voltei a sentir aqueles impasses desconexos, necessidade de ordenar as coisas, cores e posições, incômodo com as texturas e os cheiros e meus dias ficaram repletos de pequenos rituais com intuito de ordem, porém causando um caos absoluto. A angústia de ter sintomas dos quais me livrei há tanto tempo misturada à certeza de que isso não me pertence e um vestígio de medo daquilo não ir embora. Mas foi. Ufa.
Lembrei das amigas dizendo que quando “a ficha caísse” eu poderia me sentir abalada. Mas sendo isto uma certeza, eu acredito que estou bem preparada pra instabilidade, pra saudade, pros choros, pra reclamar do frio… A mudança de continente está sendo guiada por um sentimento de plenitude e pela vontade do desafio. Não apenas pelo bom, mas pela aceitação de que o difícil não é ruim.
Enfim, ainda consternada eu conversei com algumas outras mães que saíram do país e que também passam pelos desafios que tenho encontrado, falei com meu amado primo que é psiquiatra, fiz listas mentais e físicas, resolvi fazer o avesso do que meu instinto me pedia… e dois dias depois o incômodo cessou.
Tenho uma leve sensação de que pode ter sido algo que me surgiu por um motivo hormonal, dentre outros tantos motivos. E mesmo sem ter a menor idéia da razão eu tenho a certeza de que essa assombração de transtorno me apareceu pra eu me cuidar. Pra ter cautela, buscar saúde e ser empática com as pessoas que piram longe de casa. Porque nossa casa quem identifica é o coração – e o meu identificou essa daqui. Só que colo de mãe, casa de vó e risada com os amigos são minha casa, tanto quanto esse chão que piso.
A distância as vezes se transforma em sintomas ingratos. Que demorem a voltar e sejam cada vez mais breves.
E que a temporada de visitas comece logo!