No emaranhado de sensações que os últimos dias me trouxeram, resolvi finalmente iniciar um projeto pessoal que me ajuda a elaborar meus sentimentos e relembrar minha resiliência. Guardo pra mim uma infindável lista de situações pessoais que um dia me geraram angústia, e hoje em dia não mais. E pensando na praxis dos meus ideais, resolvi agir de acordo com o que julgo coerente e organizar pensamentos com palavas; praticar a escrita curativa.
Atualmente, mais do que nunca, alguns se deixam enganar por pessoas articuladas pelo simples fato de terem tal dom. Se somamos isto à crença de que ‘respeitar os mais velhos’ é o mesmo que ‘não discordar’ ou ‘não criar conflitos’, temos como resultado: gente inteligente e respeitável caindo no discurso de gente articulada e mal intencionada – vide o episódio do lendário gen. Benjamin Arrola (haha).
Uma das pessoas mais articuladas que conheço, por exemplo, não passa muito tempo no mesmo círculo social. Um padrão de comportamento perceptível é escalar situações conflituosas usando detalhes improváveis para que no fim das contas esta pessoa possa se afastar com a *honra* de ser vítima. Convenhamos que a regra é clara: se alguém nunca erra no jogo da vida é sinal de que não está jogando certo.
Sinto muito pelos que caem na armadilha estética do texto, porém sinto ainda mais pelo autor que acredita no que diz. Vejam bem, eu venho de um lar caótico onde a comunicação era truncada e virava munição de guerra. A cada vida que me passa percebo tons de crueldade baseados em presunções e percepções de uma mente psicótica, narcisa com um fetiche pelo vitimismo – que no seu entendimento dá carta branca pra ações nada elegantes.
Embora dos meus quase 40 anos de vida eu tenha convivido com meu genitor apenas dos 0 aos 6 e dos 14 aos 19 anos, eu sou uma perfeita cópia dele em diversos aspectos. Não puxei só seu raciocínio lógico, a vaidade e o tino musical. Eu também puxei o dom com as palavras. A grande – e gritante – diferença é que eu não ajo como se estivesse acima das leis, do bem e do mal. Uso meu dom da escrita para aliviar minhas angústias e fazer auto avaliação – jamais com o fim caluniar outras pessoas para que eu seja vista como boa moça. Minha criatividade fica em cargo de suavizar a dureza do que vivo e de quem sou.
Um professor no primeiro semestre da faculdade nos lembrava de tempos em tempos que qualquer pessoa pode escrever qualquer coisa. Não há possibilidade que os livros, (atualmente posts ou tweets) se rebelem contra os absurdos sendo escritos. Tenho nas minhas memórias mais preteridas algumas historinhas que presenciei e vi com meus olhos que, em parte se contrapõem e em parte se sobrepõem aos devaneios que meu pai escreve. O que me resta aqui, na falta da capacidade de “desver” é o bom, velho e imprescindível pensamento crítico.
A maior parte do que escrevi que envolve meu pai eu guardei. Algumas coisas nem ousei transcrever pra não ter o desprazer de visualizar e re-materializar a dor. E, sendo a pessoa polêmica que ele é, qualquer opinião que eu emita e vá de desencontro às histórias que ele criou, deve desencadear suposições, assimilações e ataques à mim e minha capacidade de ser/dizer/responder por mim. Por medo da retaliação e pra nos proteger, por 20 anos eu optei por não cutucar a onça. Mas o que adianta dar paz à onça quando ela continua a atormentar?
Há pouco tempo, porém, ele resolveu pegar carona numa coisa minha, que só eu, meu namorado e minha mãe tivemos participação ativa. Ele usou minhas imagens e minha (falta de) saúde, forjou tomar rédeas fazendo parecer que 1- se importa 2- se envolve 3- moveu alguma palha pra que minha meta naquele momento fosse alcançada. Materialmente ele fez algo sim: assim como 90% dos meus essenciais e queridos contribuintes – numa vaquinha pro meu aniversário – meu pai enviou R$ 100,00 (cerca de 15€ dos +1400€ que recebi) para meus tratamentos de saúde. Minha tristeza, porém, não é sobre dinheiro. Pra mim nunca foi e jamais será. Me senti invadida pela ousadia do falso protagonismo de uma pessoa que um dia foi importante pra mim.
O que eu fiz com o sentimento? Retomei meus textos elucidativos sobre quem sou, quem somos, quem é quem na minha família e o que cada um colaborou para eu ser o que eu sou. Há comigo uma lista de grandes e ainda maiores traumas – protagonizados pela disfunção de uma família composta por um homem e três mulheres – algo que culturalmente e socialmente deixava nós, mulheres à mercê do ‘provedor’ – apesar de quem ter estado e ainda estar no nosso dia a dia provendo o necessário ser minha mamadi.
Andrea Vinhal é avó, avô, mãe, pai, amiga, confidente, às vezes filha (not good, mom), sempre generosa, sempre ativa, sempre com a cabeça nas nuvens. Se presta a ser amiga e mãe também dos meus amigos, a quem ela conhece e trata com amor. Ela é um trator mais rápido que seu próprio pensamento e resolve problemas práticos com complicações absurdas, embora tudo esteja muito claro na sua cabeça. Tem seus defeitos, mas são bem distintos do que os olhos e a bagagem do do meu pai o permite ver.
Quando minha mãe se magoa com algo ela esbugalha os olhos e aumenta o tom e velocidade da voz, às vezes grita ou chora. Já meu pai quando se sente acuado ou ferido não demonstra. Sua saída de praxe é ofender e descredibilizar seu oponente – e quantos oponentes ele tem! Sempre está sendo injustiçado de algum lado, seja este o atendente do telemarketing ou um irmão.
Em 2003 (quando meus pais finalmente se separaram após um breve e turvo período morando na mesma casa sem se falar) eu fui morar com minha mãe e passei a ter cada vez menos convivência com meu pai o vendo, no fim da minha estada no Brasil há 6 anos, apenas em pontuais eventos. Eu evitava diversos assuntos para evitar o conflito e optei desde muito cedo por não me pronunciar, porque toda a energia me afetava muito. A última vez que ele gritou comigo foi em 2016, eu já era mãe e achei surreal, mas naquele momento eu já conseguia me afastar e entender que aquele descontrole era uma questão dele, e minha escolha era não me envolver.
Foi do meu pai que eu herdei o “overthinking”, a capacidade de arquitetar e refrasear. Já fui apta à reação às frustrações de forma acalorada e da transferência de responsabilidade aos meus ‘oponentes’, porém a metamorfose aqui não pára, e a cada dia me torno mais dona de mim e menos sucetível ao drama externo. Na última ou penúltima vez que me deparei sofrendo por atitudes do meu genitor, eu fiz questão de publicar uma carta de amor à todos aqueles que me amam de um jeito que compreendo, me cuidam e me querem bem, estando longe ou perto.
Em suma, mesmo estando numa mesma ocasião as pessoas vivem diferentes histórias, e aqui no meu espacinho eu escrevo a minha <3
Also… Registro aqui algo que acredito e levo como filosofia de vida: o mais rico dom quando se trata de se comunicar é a capacidade de empatia, com o desenvolver de discussões e conflitos de forma saudável, respeitosa e coerente. É a melhor forma de expandir horizontes e nos enriquecer como seres humanos e sociedade. Conflito não significa desrespeito, e a Gramática, meus amores, é acabamento… pura maquiagem.