Uma colega da clínica hoje me viu com espasmos no rosto, mãos e dificuldade de locomoção. Quando melhorei ela veio me perguntar sobre os sintomas, frequência e a quanto tempo tenho lidado com isso. Enquanto explicava ela disse que “não aguentaria perder o controle do corpo assim”. Eu mencionei que ficou mais fácil quando passei a tratar os ataques como uma visita desagradável, que chegou mas vai embora.
Sempre fui muito habituada a racionalizações e suposições extremas, enfeitando meu dia a dia com explicações complexas pras menores das atitudes – me abrindo um leque de aleatoriedades, piadas e outras tantas pequenas maravilhas da minha cabecita neurodivergente. Era a razão do meu sucesso profissional, do meu humor e 85% da auto estima.
Em algum momento desse processo de adoecimento eu percebi que quando recorria ao raciocínio não encontrava nada, ou muito pouco. A primeira reação era que precisava me esforçar mais {resíduos de meritocracia ?}, porém as crises de enxaqueca não me davam trégua, e na teoria eu deveria descansar pra evitá-las. A mente tagarela se conteve nesse momento a me julgar {desorganizada! Burra! Esquecida! Distraída!}
Em alguns meses eu fui aceitando e parei de tentar entender, memorizar, lembrar. Comecei a observar tanto as crises de dor e enxurrada de pensamentos quanto os esquecimentos e vazios, sempre tentando evitar juízo de valor. Daí veio uma tristeza {incapaz, deficiente, errada, decepção}
Fui aprendendo na marra a mandar embora o auto julgamento, dar lugar ao acolhimento {é o que tá teno, hoje foi o que deu, vai passar também} e redirecionar meu pensamento pro *agora* – ainda que este tenha lá suas abas musicais e simulações, que pelo menos se aproximam um pouco mais do presente momento.
{Houve uma época que nem o modo de redirecionamento eu achava nos ficheiros do HD interno da minha mente – daí comecei a deixar por escrito – embora nunca soube onde anotei nada}
A medida que a capacidade mental foi melhorando e de tanto treinar – no nível hard sem energia – quando me dei conta eu já tinha automatizado esse mecanismo de aterramento. E nada mais libertador do que aprender que as coisas são o que elas são, e que os pensamentos, por mais elaborados que sejam, são só pensamentos.
Observar as coisas sendo o que são é uma excelente forma de me poupar energia. E essa capacidade de produção massiva de suposições e cenários há de ter seu espaço cativo nas atividades profissionais, com ferramentas que os moldem de maneira conveniente e, oxalá, lucrativa.
Meu pensamento era um destaque descompassado na alegoria, saindo do ritmo, do tom e se projetando em diferentes universos. De tanto saracotear tomou um tombo e apagou, e só aí consegui perceber outros personagens vitais que me fazem quem sou.
Senhor pensamento está em regime semi aberto e, apesar dos piripaques neuromusculares, passamos bem.
Capitulo 8 – aviso de gatilho: pensamentos suicidas
Diagnósticos, diagnósticos. O que é pesonalidade e o que é síndrome? Qual seria o limite entre a doença-tem-que-tratar e a norma?
Na verdade vivemos hoje num tempo onde o diagnóstico é a norma – salvo engano {Deus me livre de ter certeza} ouvi isso de um Psicanalista do qual admiro muito o trabalho, Henrique Vicentini. Quando tive a chance de me apresentar pra ele e um grupo de estudos e mencionei que vinha colecionando diagnósticos desde a infecção da COVID-19 em 2020.
(Houve um tempo que eu achava que ter TDAH era sinal dos tempos. Muita informação, essa internet dando acesso ao tudo e ao máximo das inexistências, procriando pseudiciência e exaurindo o ser humano com o mínimo de pensamento crítico, nos aproximando superficialmente, aumentando as distâncias e diminuindo a auto estima sem regular humildade… Perai, fui longe demais.)
Minhas lembranças de infância são muito específicas e tem muito mais observações dos meus pensamentos do que do ambiente em si. Eu tinha uma necessidade de não errar, então era mais facil ser low profile. O inicio da minha adolescência foi pesado, me lembro de situações muito constrangedoras causadas pelo meu hábito de não me atentar ao que se passava no meu entorno, e fazer coisas sem perceber, tentar ajustar/corrigir e depois tentar suprimir o erro mudando a perspectiva. Daí descobri que podia ser engraçada.
Enquanto minha irmã dizia que eu era “diferentinha” e minha mãe se ofendia mandando ela não falar assim de mim, me tornei uma excelente profissional, {modéstia a parte} pois ajustar, corrigir, mudar a perspectiva é sucesso no Business.
Outobro de 2020, dias antes do teste positivo
{Aliás, boa parte dos meus sintomas eu transformei em diferenciais, com os devidos métodos (mecanismos de defesa?). Daí chegou a gripezinha, anos depois conhecida por matar sinapses.}
Após vivenciar um declive constante na minha saúde por cerca de 20 meses eu mal conseguia ter consciência do que eu era/sou. Passei o verão de 2022 em Berlim com o mínimo de energia, sem entender boa parte do que se passava ao meu redor, exausta e sem capacidade de interpretação ou analítica. A minha terapeuta, na ocasião, me perguntava se eu conseguia meditar, e eu tinha dificuldade de explicar pra ela como não conseguia pensar. O pouco que acontecia na minha cabeça estava na ordem da urgência.
Fevereiro de 2022 – no hospital avaliando danos das inúmeras crises de enxaqueca
O famigerado fundo do poço: eu entendi que precisava baixar a pressão e a resistência, mas assim acabei encontrando escuridão (o urso). O último episódio depressivo que tive antes da Covid me deixava a grosso modo em dois estados: gritando ou dormindo. Dessa vez, porém, com a fadiga, eu estava quase sempre dormindo, sempre confusa e não me via capaz de assumir nenhuma responsabilidade. Tive dias em que não conseguia sair de casa, com medo de entrar em colapso. Passava dias sentindo uma tristeza profunda, outros dias não sentia coisa alguma. Foi mais ou menos aí que eu comecei a pesquisar sobre suicídio assistido, e com pouca pesquisa achei melhor conversar com meu médico.
Long story short – eu mudei a perspectiva, mantive os tratamentos alopáticos, aumentamos a dosagem do que foi preciso, e procurei uma amiga querida que é uma deusa da Ayurveda antes de precisar mergulhar em mais remédios. Nos primeiros dias de dieta e massagens eu fiquei três dias sem crises da enxaqueca e as coisas foram mudando. {Manter o movimento, confiar no processo, o que será será, e as coisas são o que são, quando devem ser}
A partir daí fui sentindo diferenças mínimas que aumentavam passinho por passinho minha qualidade de vida. Em setembro de 2022, eu fiz uma viagem que foi bem menos difícil do que outra que fiz em julho – quando me senti “o morto muito louco”. Daí em outubro eu percebi que passei mais tempo de pé do que deitada (esse foi meu grande e celebrado avanço), porém as crises ainda estavam na faixa de 20 dias por mês, o que me permitiu começar o tratamento pra enxaqueca com anticorpos monoclonais pelo plano de saúde.
Julho de 2022 – não se enganem, eu tava bem pior que na foto anterior – é invisível
No início de novembro tomei a primeira injeção deste tratamento, e a partir daí a minha saúde passou a fazer avanços menos sutis. Fui capaz de buscar ajuda psicológica e emocional, falar ao telefone, elaborar um cronograma (que ainda não foi executado, mas oxalá, jajá será), fazer planos que me trariam alguma sede de vida {miaguarde Brasil!}. Passei a fazer algumas caminhadas, já que os esportes que me agradam mesmo eu ainda não consigo fazer.
Na sequência, entre um baque e outro (fui demitida, falaremos sobre), que fui até a Clínica-Dia do ladicasa tentar entender se eles poderiam me ajudar. Coloquei meu nome numa lista de espera e me ligaram em Janeiro. Fiz uma reunião que foi um tipo de triagem pra ver se meu caso era algo que encaixaria no programa da clínica. Eles trabalham com questões psicossomáticas e psiquiátricas e o veredicto foi que SIM, eles poderiam me ajudar.
Entrei em Fevereiro com previsão de um tratamento de 8 semanas. Na segunda semana era ‘dia de Visita’ e pra minha surpresa era a junta médica e os terapeutas sentados em semi círculo pra conversar com o paciente, um por um, sobre o seu caso. Eu entrei naquela sala e senti acolhimento – depois descobri que vários colegas se sentem intimidados e detestam, eu amei. Contei um pouco da minha história e das minhas frustrações, falei sobre a incapacidade que a enxaqueca me causava e explicava que só consegui chegar ali depois de 1 ano e 5 meses – quando 5 tratamentos alopáticos ineficazes foram testatos e toda uma vida adaptada… e na sexta tentativa finalmente consegui alguma autonomia.
{Um beijinho no ombro aqui porque a médica chefe disse que meu alemão era surpreendentemente bom e me disse que eles me ajudariam a voltar pro mercado quando for o momento certo}
Foi nessa clinica, que eu tive o diagnóstico do TDAH positivo e tomamos juntos a decisão de iniciar a medicação. Com três dias de medicação eu entrei no mercado e fiz a compra mais fácil e rápida da vida. Cheguei no caixa e fui olhar a lista, eu tinha pegado tudo. Eu fiquei confusa porque… gente, não é possível! até outro dia eu tava com dificuldade de lembrar dois itens ou escrevia sete itens sendo que dois eram o mesmo, sem perceber. E, pasmem, na segunda semana da medicação eu fiquei *cinco dias* sem ataques – pela primeira vez desde 2021. Ajustamos um outro detalhe e {boom! do nada} eu tive um dia inteiro bastante ativo, sem dor, consegui me livrar de um monte de papel que eu vinha carregando sem entender o que fazer com eles – e dei mais risada do que os seis primeiros meses do ano passado.
Não pensem que eu parei de me perder em uma atividade que na verdade eu enfiei no meio de uma outra, que passei a ter noção do tempo, que minhas palavras ditas têm acurácia e se mantém no idioma pertencente ao momento. Ou que consigo comecar a fazer o almoço e terminar com a receita que era a intenção quando comecei. Não estou tentando tirar meu charme resolver enfiar o funcionamento do meu cérebro na normatividade, e não tem que ser. A questão aqui, no momento, é voltar a ter autonomia depois de uma fase que, além de não ter a noção do tempo eu tinha dificuldade em ler o relógio, assimilar informações básicas ou me lembrar qual era o assunto do qual eu ativamente estava falando após um gole de água ou um latido do cachorro.
A gripezinha, amigos… Ela fez meu sistema nervoso entrar em colapso. E meu cérebro, que já era familiarizado com a enxaqueca, se manteve no ritmo de descarga necessário. A trégua de 5 dias ainda não se repetiu, mas entre o vazio e a(s) tristeza(s) eu venho tendo momentos leves e me familiarizo novamente com meus pensamentos. Às vezes parece que minha cabeça foi lentamente, no curso de um ano pifando mas retomou a atividade no instante que recebeu a ajuda que precisava.
Há um ano eu estava exausta em Kiel, comecando a escrever esse diário, e postei no Instagram que o grande tesouro da vida é a paciência. Ainda preciso esperançar muito… espero que com a dádiva dos últimos avanços façam a espera mais leve e tranquila.
Vejam bem migs, eu ando sedenta de acolhimento e amor. Me dá a mão aqui, tenta me entender:
É muito difícil, cruel e complicado notar que, por mais que eu tenha melhorado, ainda estou longe de me aproximar do status que já tive. Passei a ser impostora de mim – tendo a convicção que não sou capaz do que já fui. E na priorização de papéis {esses emaranhados de expectativas que te condecoram como o ser que esperam que você seja} – entendi que (surprise surprise) o que me aterra é a maternidade, tal qual a vivo {cheia de questões, inseguranças, dificuldades, traumas e orgulho}. E enquanto me cuido, foco em cuidar da pequena quando ela está comigo.
E trabalho? Atualmente, além do urso (ver posts anteriores), tenho uma deficiência na visão. Comecei a perceber uma perda de visão periférica em maio de 2021, em outubro do mesmo ano eu comecei a notar grandes espaços sem foco e “ondas” com cores, principalmente em superficies claras. Dali em diante eu tenho dias melhores e piores, mas no geral a sensação de ‘strobo’ leve é constante – a não ser que eu use o óculo$ pra fotofobia que comprei com a vaquinha do meu aniversário. Bem, isso me permite sentar em frente à tela do computador por uns minutos diários, mas não me dá nenhum respaldo pra retomar uma carreira no mundo business com computador na cara 8h por dia.
Pois bem… na última segunda-feira conheci um espaço onde eu terei acompanhamento profissional no decorrer das próximas semanas com o objetivo de voltar pros trilhos. Uma das pessoas que conheci nesta clinica me perguntou sobre meu por enquanto trabalho e me lembrei que tive um burn out em 2018. Quando ela me pediu pra especificar eu fui me lembrando de detalhes e, de repente, um resquício da memória de um período de 2-3 meses, quando convivi com uma pessoa horrível me causou um horror tremendo.
Minha boca secou, eu comecei a gaguejar, esqueci as palavras que queria usar e só me veio a angústia de me sentir desrespeitada e apagada em diversos níveis. {Isso, sem o menor exageto, é sintoma de trauma…} em seguida me lembrei que, quando essa pessoa saiu, deixou uma infinidade de erros que eu passei muitos meses corrigindo e lidando com coisas que foram perdas irreparáveis pro projeto pro qual eu trabalhava. Eu me perguntei porque permaneci lá, mas dessa vez foi difícil me convencer que, com todas as situações grotescas que me lembrei naquele par de segundos, permanecer foi a decisão correta.
Nunca fui de chorar o leite derramado. Na época desses episódios eu consegui outras propostas de emprego e, quando acordei com meu empregador que ficaria, não olhei mais pra trás. Nesse momento da vida, porém, eu estou me permitindo 1- dizer que eu faria diferente e 2- me sentir triste pelas decepções que a vida me trouxe. Meu otimismo sempre me levou a olhar o lado bom das coisas e ser grata pelo lugar para onde meus passos me trouxeram, no entanto quero me certificar que a persistência não me bloqueie e que eu saiba viver o luto e seguir em frente – deixando pra trás o que não preciso mais.
Manter o movimento na verdade nunca foi um problema. Não me lembro de parar pra nada, nem por nada. Não tinha consciência do que é descansar até uns poucos meses atrás, quando meu corpo pifou. E agora no meio de mil provas cabais que estou exausta por motivos plausíveis, eu aceitei parar. E, não, eu ainda não consegui.
Mas só por aceitar parar eu sinto vergonha e medo. Medo de não ser respeitada, de ser julgada e de ter saúde o suficiente pra retomar atividades. Vergonha por ter falhado, por não estar confortável de pé , por ter espasmos faciais e usar óculos escuros à noite. E, quando consigo me divertir, eu mesma trato de me julgar e condenar, pois podia ter usado minha energia pra produzir seja-o-que-for. Os sentimentos vem, eu os dispenso, tentando criar no meu sistema nervoso outro tipo de resposta ao focar na recuperação do meu corpo.
O que me resta é colocar isso em frases, publicar, distribuir e aguardar; esperando que tenhamos mais consciência que nossas necessidades são na verdade imposicoes capitalistas insustentáveis que eu possa inspirar, validar e/ou receber o carinho de alguém. O fato de eu não ter mais dor 24/7 me traz um alivio que se assemelha à esperança. Mas o ânimo é raro, a energia me falta e se eu pensar muito tenho vontade de chorar, por cansaço e medo do que {sabe-se lá o que} há por vir.
Que o novo tratamento melhore tudo mais um bocado e todas as conexões que criarmos nesse meio tempo façam a jornada menos dolorida. E que eu consiga me manter inspirada pelo amor que recebo, da minha pequena e de quem me apoia <3
Falei, falei e falei no texto passado sobre um monte de coisiquinhas, rodeei tanto que deu até uma vertigem aqui. Mas se tem algo que me motiva a escrever é dar nome aos bois, porque só se pode entender e superar aquilo que é definido.
Eu tenho vivido com um urso. Acordo, olho pro relógio, são 4:00. Tenho energia, mas se eu levantar eu vou sucumbir antes das 10:00. Dormir de novo seria melhor, mas o urso tá com fome. Passo 30 minutos tentando ignorar a fome até que desisto, levanto, tiro a placa dos dentes, pego qualquer coisa fácil de mastigar, de preferência no escuro e de olho fechado pra não despertar totalmente, volto a dormir tentando ignorar que sem a placa eu posso acabar acordando com dor, se é que a dor já não chegou.
O alarme toca às 6:02 – que eu não gosto de usar horários redondos nos meus alarmes – eu devia levantar agora pra dar tempo de escrever o sonho, alongar pra aquecer o corpo, rezar, fazer o chá {saudades café}, mas o urso tá deitado em cima de mim e mal consigo me mover. Tem outro alarme às 6:18, talvez ele saia até lá? Mas não, não sai. Eu consigo girar o urso e me arrastar por baixo dele pra sair da cama, mas só depois do snooze, são 6:23 não dá mais tempo da rotina da manhã. Preciso arrumar o lanche da miúda {semanalmente penso “porque eu não fiz isso no dia anterior? ah é, porque os ingredientes ressecam”}, depois checo algumas vezes se já coloquei na mochila a lancheira e a garrafinha de água. Tenho 5 minutos antes de acordar a Luiza, dá tempo de alongar alguma coisa. Me espreguiço, começo uma sequência de Yoga e no terceiro movimento eu me lembro que não coloquei a água que ferveu dentro da caneca, logo não fiz chá. levanto pra resolver e não termino o exercício. Acordo a meninoca e a partir daí , na cia dela, as coisas acontecem meio que de forma mais automática – mesmo quando a enxaqueca ataca.
O urso típico do meu bairro em Berlim
Enquanto o corpo faz o que precisa ser feito a cabeça tagarela: estou falando demais? Estou falando de menos? Será que essa dor vai aumentar? Dá tempo de sentar pra tomar café junto da minha filha? Mal sentei e já preciso levantar porque esqueci algo! Preciso me vestir, será que ela se sente desconfortável porque a deixo comer sozinha? Será que to falando demais na cabeça dela? Estamos atrasadas? Dá tempo de levar a cachorrinha? Esqueci algo?
Respiro fundo e relaxo os ombros e a mandíbula. Não há uma só vez que pense em ‘relaxar os ombros’ que eles não estivessem tensos. Recentemente percebi uma sutil tensão também na região interna dos olhos, e toda vez que relaxo essa parte me pergunto se essa tensão não é relevante no gatilho da enxaqueca. Por que é que meu corpo está sempre tenso? E por nossa senhora da bicicletinha, como posso ser capaz de ‘overthink’ meu exercício de relaxamento?
Eu percebo que se eu pego o celular, nesse reflexo que automatizamos de catar o dito cujo quando nada está acontecendo – o urso me agarra pelo pescoço, escala minhas costas e senta nos meus ombros. Às vezes ele repuxa meus tendões dos pulsos e ombros.
Quando finalmente saio de casa, seja pra levar a Luiza pra escola, pra ir a uma consulta ou pra fisioterapia, o urso que estava até então sentadinho no meu ombro adormece deixando o corpo pesar de uma forma desequilibrada, apoiado na minha cabeça, ombro e braços. E eu sigo caminhando, mas só porque, há não muito tempo, eu parava e voltava pra cama, mas daí o peso do urso me sufocava e o jeito era dormir com a angústia de saber que em algum momento eu tenho que levantar apesar do peso continuar ali.
Sendo bem honesta, o urso também sobe em cima de mim quando vou arrumar a casa, tomar banho, cozinhar, ler um livro, fazer esporte ou qualquer outra coisa, agradável ou não. Recentemente, porém, o danado parece estar mais desperto, talvez tenha perdido peso. É mais fácil me locomover e consigo bem devagar fazer coisas uma por uma, sem muita ambição {e sem pegar o celular}.
Resumindo bem, desde que tive o COVID em 2020 eu desenvolvi 1- um problema circulatório ainda sem nome mas similar à síndrome de Raynaud, 2- a piora progressiva agressiva e desgastante da enxaqueca, 3- dificuldades na visão, 4- O tal brain fog com uma falta de concentração que não tá no gibi e a evasão da capacidade de ligar os lé com os cré. Eu que me gabava de resolver problemas complexos hoje em dia desenho palitinhos pra fazer conta de subtrair. Elaborava planilhas e agora eu olho pra elas e parece que tô olhando hieróglifos.
Essa situação toda atropelando minha vida me rendeu esse urso, que aqui chamam de Depression; no Brasil depressão. Na minha família e na minha vida não é nenhuma novidade, infelizmente. Tive em pelo menos 3 ocasiões uns bichos desses, manifestados em outras formas entre meus 18 e 29 anos. Quanto mais leve fica o urso mais eu consigo me mover e, já que ele não é meu, continuo não o alimentando para ver se ele vai embora logo. Assim como a fase difícil da minha enxaqueca, é uma desagradável visita de quem eu não conseguiria me livrar sozinha; então eu peço ajuda, converso, escrevo, pesquiso, aceito, me acolho, insisto, choro e, se preciso for, eu durmo.
Eu quis reiterar o texto anterior quando bati na tecla no cansaço porque me comprometo com a honestidade do meu discurso, pois o que se escreve lá do fundo, com clareza e verdade, tende a abraçar quem precisava e me trazer abraços de quem me inspira. Eu gostaria de fazer um bota-fora pro urso nos últimos dias de 2022, mas tendo experiência com ursos e sabendo que eu são teimosos; vou me lançar às mandingas de ano novo e prometer me movimentar mais, quem sabe um dia desses eu não volto a me exercitar e ele despenca de cima de mim? :)
Essa semana mencionei em um dos meus encontros meu pleno, constante e intenso cansaço. Tenho evitado reclamar, pois quem não está cansado? A exaustão é tema recorrente em todo o mundo desde o início da pandemia há quase três anos; um tipo de pandemia secundária. E eu me pergunto se estou cansada da maternidade, da migração, do trabalho em línguas que aprendi depois dos 30, da separação, da pandemia ou da própria enxaqueca. A resposta é isso tudo somado ao ano de 2020 que já caminha para sua versão 3.0.
A realidade é que a doença que desmoronou minha vida no último ano está dando sinais de trégua. Recapitulando; em junho de 2021 achei que fosse uma fase de crises de enxaqueca frequentes, como outras que já me eram conhecidas, na sequência me acostumei e me perdi com tanta dor e medicação, já não tinha clareza da situação. Quando novos sintomas surgiram comecei a ver especialistas para descartar outros problemas. Foi então, no atendimento ambulatorial do hospital universitário Charité, que me sugeriram preencher um diário da dor. Assim minha percepção de que tinha 2-3 crises por semana se transformou no registro oficial de +20 dias com dor mensais. Em março de 2022 fui pra clínica de dor em Kiel – e de lá fiz alguns registros no blog. No começo de abril eu saí de lá com dois novos tratamentos e cheia de esperança.
Vida nova! Viajei com minha filhota para Londres e tivemos uma semana maravilhosa, com exceção de duas crises e alguns episódios de confusão mental que me geraram algum prejuízo em libras. Tudo bem. Processos. No mês de maio percebi a piora da minha visão e – talvez pelo estresse da situação – o quadro todo piorou. No mês de junho eu peguei uma licença médica na esperança de melhorar em julho. Em julho cheguei a ter 12 ataques em 7 dias, foi o pior de todos os meses, achei que em outubro estaria melhor.
O sorriso amarelo depois de perceber que a chave de casa tinha ficado no outro extremo da cidade
E assim fui postergando o prazo que minha mente dava pro meu corpo melhorar, mês após mês, até entender que não sou eu quem imponho o tempo. A ansiedade melhorou, os sintomas também e, com ajuda de novos hábitos e aparelhos caríssimos (além de muito apoio, cuidado e paciência de amigos, namorado, mãe, filha e ex marido), fui conquistando a conta-gotas pequenos avanços… e junto a isso um acúmulo de cansaço e desesperança que me demanda uma baita energia pra manter o ritmo. Entre meditações, exercícios de desapego, gerenciamento de emoções, terapia, fisioterapia, massagem, escrita, estudos e muito mais a conta ainda não fecha. Existir me cansa, continuo exausta.
Eis que, em novembro, no terceiro atendimento ambulatorial no Charité eu chorei as pitangas assim como descrevi ali. Imediatamente me colocaram em tratamento com anticorpos monoclonais, uma medicação chamada Emgality que {como num passe de mágica ultra-tecnológico} fez meus sintomas ficarem mais espaçados, as crises mais raras e menos intensas. Foram apenas 16 dias com dor em novembro, sendo que os piores dias não me paralisaram e a fotofobia melhorou tanto que consegui sair sem óculos um par de vezes – pela primeira vez desde junho! E eu, com alguns esforços focados, ri muito, fiz muitas piadas, perdi menos compromissos e sai algumas vezes com a intenção de me divertir – com sucesso.
Por isso, há semanas eu vinha prometendo que escreveria sobre a melhora do meu quadro de enxaqueca, e embora eu tenha pensado em meia dúzia de ganchos e trocadilhos que me renderiam bons textos, continuei sem atitude. O último mês me deu ânimo para planejar coisas, olhar algumas outras e perceber com clareza o quanto eu estive mais debilitada do que conseguia vislumbrar. Executar tarefas simples e retomar atividades continua sendo um desafio que me consome. Preciso constantemente me lembrar que as falhas fazem parte do processo e que devo agir com compaixão por mim e, ao mesmo tempo, pelos que estão ao meu redor.
Foi preciso esse vírus duzinfa me acometer de novo pra eu resolver retomar a escrita. Sim, porque dois anos depois de ser infectada pelo vírus que desencadeou uma reviravolta extra na minha vida, após 3 vacinas eu adoeci e testei positivo para COVID-19. Dessa vez o pavor não me atacou. Quando alguém passa por tanto em tão pouco tempo termina-se por ter atitudes e reações diferentes. Talvez porque com as vacinas e mutacoes os sintomas foram menos intensos, talvez porque eu pense menos, reajo menos e respondo aos estímulos de outra forma. Talvez porque meus hábitos mudaram e hoje tento retomar a confiança no meu próprio corpo – pois eu confio na força do universo que o criou.
O meu teste de COVID já negativou, no meio tempo o da 8 anos, devidamente vacinada, positivou. E vai passar também.
No momento não tenho nenhum prazo para “voltar a ativa”, mas sim um prazo bem longo para que eu possa voltar a analisar minhas capacidades com clareza. Até lá, vivo desacelerando os pensamentos, agradecendo pelo que já passou, aceitando “o que tá teno” e honrando as bênçãos que recebo. Passo por passo mesmo sem saber o que vem pela frente e nem como vou chegar.
Quando saí de Berlim eu tava com o coração apertadinho, do tamanho do meu dedão. Tava com medo porque ouvi dizer muito pouco sobre o trabalho da Schmerzklinik Kiel, a maioria boa, porém ditas por profissionais da saúde na Alemanha, uma categoria de profissionais que geralmente não nos entendem.
Logo que cheguei na Alemanha ouvíamos muitas reclamações quanto ao sistema de saúde. Até aí eu me pergunto: quem nunca ouviu reclamação sobre o sistema de saúde no Brasil? It is what it is: saúde é assunto delicado, médicos não são Deuses, a medicina não é ciência exata e nossa responsabilidade acaba por ser anulada por uma infinidade de inseguranças que aprendemos a ter sobre o nosso próprio corpo.
Ao invés de sermos estimulados a explorar e conhecer esse sistema complexo que é o corpo que habitamos, nós passamos a terceirizar toda a responsabilidade de entendimento pra profissionais da saúde. E não há de ser – aqui o médico fala pra mim: é você quem vai saber, vai observando, sente como está… Me orienta mas me passa a responsabilidade. E o tempo todo batendo na tecla – só remédio não adianta.
Na Schmerzklinik temos práticas baseadas em pesquisas recentes sobre a enxaqueca, uma série de especialistas e, o que me chamou a atenção: tem muito mais vivência, convivência e troca moderada por psicólogos. Os médicos vem e conversam por alguns instantes, os psicólogos estão em praticamente todas as atividades.
E dentre a gama de novas informações que tive contato aqui, destaco uma série de aulas com técinicas para conseguirmos identificar e eventualmente parar: autojulgamento, falta de auto confiança, pensamentos ruminates, [edit] como dizer não e afins. Técnicas que ouvimos aqui e precisamos compreender, assimilar e colocar em prática.
Me pergutei por que será que temos exatamente essas 5 aulas especificamente para 5 ‘problemas’, A explicação – ou parte dela – veio numa palestra do idealizador do programa, um médico doutor (de doutorado mesmo tá, haha) que tem dedicado sua vida ao tema. Em determinado momento ele menciona que ha um padrão no raciocínio das pessoas que tem enxaqueca como doença primária [não um sintoma para outra doença]: normalmente são pessoas com raciocínio rápido e que fazem muitas interligações dentro de cada raciocínio, tem uma dificuldade incrível de ir de A a B sem passar por pormenores, desvios e fazer projeções [desnecessárias?]. Ele dá dois exemplos e ambos me caem como uma luva.
No fim ele diz algo como: vocês precisam aprender a pensar menos e mais devagar. E eu [novamente me refirerindo à minha oração da manhã] sempre peço: “…que traga serenidade, simplicidade e suavidade aos meus pensamentos…”, porque siiiiiiiim, são complexos, pesados, difíceis, complicados e atrapalham meu convívio, meus prazos, a possibilidade de simplesmente viver o dia sem medir. Falei disso aqui e aqui.
O Doutor disse também outras coisas maravilhosas que esse raciocínio emaranhado pode nos possibilitar – afinal num pode ser só ruim :D
Vista em Kiel
E agora? A festa ainda não acabou. Estou a 3,5 dias de ir pra casa, ha 13 aqui. Mantive a mesma média de ataques de enxaqueca de quando estava em casa, tive uma complicação nos pés causada pelo tratamento, que foi interrompido e substituído, aprendi técnicas de mindfulness pra driblar algumas pendengas e um punhado de outras coisas que podem ter um impacto positivo com o passar do tempo no meu quadro.
A realidade é que, ao contrário do que eu pensava, não tinha nenhum pó de pirlimpimpim pra passarem em mim e eu não vou chegar em casa completamente curada. Agora é ajustar a rotina, a alimentação, os horários, aguardar o novo tratamento fazer efeito e ter paciência, sabendo que há possibilidade de diminuirmos tanto a intensidade quanto a frequência das crises, de acordo com o médico-chefe, em aproximadamente 9 meses.
Escrevo com lágrimas nos olhos, parte por ter a dádiva de poder estar aqui onde parecem entender o que se passa comigo – e também pela alegria de estar confiando no Universo. Afinal, sabendo que não se trata de uma ciência exata, os 9 meses podem ser 9 dias, 9 semanas ou – esperamos que não – 19 meses.
Eu tive minha primeira crise de enxaqueca aos 19 anos, às vésperas de uma mudancinha de rotina – meu então namorado ia se mudar pra outro continente em um par de dias. Também estávamos no verão do Rio de Janeiro, fazia muito calor e de repente o tempo fechou e bateu um vento muito frio. Quase duas décadas depois eu sei que mudanças bruscas de temperatura e pressão podem ser gatilhos para os ataques.
Anos se passaram. Me lembro de crises repentinas nas quais não conseguia me comunicar, não entendia o que me diziam e não conseguia falar. Uma média de duas crises por ano, costumava dizer. Por vezes nenhuma no ano. Em 2016 mudei pra Alemanha e após 2 anos tive algumas crises em um mês – o que já tinha acontecido outras duas vezes no Brasil, sempre e momentos de muito estresse. Em 2018 eu tive dois (!!) burnouts. [Ou não cheguei a me recuperar totalmente do primeiro.]
Eu venho de um país e – mais especificamente de um estado que ultravaloriza o sofrimento e a culpa como moedas de troca para o sucesso. O mito da meritocracia ecoa forte, o “temor divino” limita potencial criativo. E eu, que cresci andando na linha, ainda passo meus dias permeada por uma culpa que se enraizou em mim e se exacerbou na maternidade – sigo procurando meios de me desculpar e compensar os erros que sequer cometi.
Uma solidão repleta de privilégios. O próprio Deus-me-livre-quem-me-dera.
Somem isso ao viralatismo que aprendemos como filhos de um país colonizado, o jeitinho fofo mineiro ‘desculpa qualquer coisa’ vivendo aqui no “berço da cultura”. Porquê as aspas? Ora, a cultura só é ‘classica’ porque os detentores da mesma literalmente destruíram, roubaram e apagaram Maias, Incas e outros incontáveis povos originários – e continuam abafando essas e outras centenas de culturas milenares.
Volta pro meu recorte pessoal aqui. Eu falo algo na reunião do trabalho. A pessoa do meu lado fala a mesma coisa em nem-tão-rebuscado alemão, mas outra construção frasal, com partículas e sufixos que eu não-nativa não sei usar. Na próxima vez entro muda e saio calada – e foi assim por 18 meses. A migração te despe dos privilégios que você aprendeu a ter. Aqui eu sou mais uma imigrante latino-americana com sotaque. Bem sucedida, sim. Com um esforço 3x superior ao colega do lado? Claramente. Isso foi só um dos inúmeros motivos pelos quais – surprise surprise – a cabecinha pifou.
Amo Berlim e me dou ao luxo de torcer o nariz pra detalhes do choque cultural que antes apenas me admiravam. Seria o virote louco da minha enxaqueca de episódica pra crônica um produto do desencanto? A tristeza do apagamento da leonina? O cansaço de bradar que quem é do lado de lá merece ter a dignidade que se tem aqui? A frustração em ver que a colega que tá na vaga que sonhei ficou pasma com a qualidade do meu trabalho? Será minha dor um reflexo da ferida colonial? Ou foi o Covid? :)
O estresse faz parte da vida de todo mundo. Como lidar com ele é que são elas. No momento eu estou inundada na frustracão do recomeço diario da vida que quis e não sonhei – ou sonhei só que não quis. No dado momento trocaram meu tratamento profilático da enxaqueca pela segunda vez em menos de 60 dias – a última por complicações causadas por Long Covid. Estou num hospital de [ponta] cabeça (hehe) e passei 3 dias na iminência de transferência por conta de uma doença que me ataca os pés. A multidisciplinaridade tem limtes. Todos temos. [Eu tô aprendendo a me posicionar sobre os meus.]
Um dia ouvi que o contrário da vida é o desencanto. Hei de criar pausas e espaço pra caber encanto e beleza. E como eu costumo dizer após minhas orações da manhã: Que meu coração esteja livre de angústia e medo e cheio de coragem e amor. Está feito, está feito, está feito, está feito.
E que venha a Primavera daqui, e com ela o renascimento da Deusa e novos caminhos. Feliz equinócio.
Cheguei à Baía de Quiel na Quinta-feira passada, Faltavam 18 Minutos pras 10, que era meu horário de apresentação no hospital, ou ‘Clinica de Dor’ em livre tradução. Gmaps me diz que sao 30 min de ônibus ou 15 de carro. Compro um café, tomo um Taxi. No caminho o motorista pergunta se tenho enxaqueca, conto que sim e vou às lágrimas quando digo estar cansada. Ele fala pra ter esperança. Bem… leia o post anterior.
Chego à Schmerzklinik e me apresento às 10:04. Quem mora aqui sabe como na Alemanha TUDO é papel. Me deram muitos papéis. Contrato, explicação, cronograma, senha, QR code, livreto, planilha, questionário, lista, sei lá mais o que e tudo tava muito difícil. Sobe aqui, vira à esquerda, não se preocupe, minha colega vai te direcionar, pode deixar a mala, assina aqui, terceiro andar, volta no primeiro, jantar no segundo, a lista do almoço está à direita, vão levar no quarto (oi?)… eu só apertava ozóio – a essa altura concordar com a cabeça engatilha enxaqueca.
Fui falar com o médico na hora do almoço e a sala estava muito clara. Pedi pra pararmos depois de algum tempo porque estava com fome e a claridade estava forte demais pra mim, fiquei atordoada. Ele disse que voltaria pra me visitar amanhã, embora não o façam às sextas. Dei uma volta fora do prédio. “Parece Münster”, pensei.
O quadro na parede diz algo como “Uma hora sem dor é mais ‘sorte’ do que o orgulho de toda uma vida”
Sexta-feira foi outro dia com o “freio de mão puxado”. Entendendo quase nada, pedindo pra repetir, óculos de sol na cara. Tomei uma medicação que indicaram pra retardar a dor e melhorei. Tive um fim de dia razoável e início de sábado bem bom. O fim do sábado porém não perdoou…
Pois bem, como manda o figurino: tive a bendita enxaqueca no hospital de enxaqueca. Fiquei zureta como uma barata tonta, enclausuradinha no breu achando que tava fazendo algo muitíssimo errado [aguardem o próximo post]. No Domingo pela manhã tomei a medicação indicada pelo médico e desde então passei a entender o que se passa ao meu redor com certa suavidade e uma facilidade razoável pro padrão pessoa-latino-americana X Alemanha. E assim que entro na normalidade percebo que o quadro dos dias anteriores me dava acesso a uns 15% da minha capacidade de raciocínio, quiçá 20%.
Aqui temos Seminários sobre nutrição, técnicas de relaxamento, treinos para fortalecimento das costas, yoga, Qigong, gerenciamento de estresse, Psico e Fisioterapia mais uma gama de outras atividades opcionais. Além disso, os altamente recomendáveis/mandatórios: exames de pressão, laboratoriais, acompanhamentos médicos, preenchimento da tabelinha com indicação do nível de dor e DESCANSO – já que dentre os principais fatores dentre os inúmeros desencadeadores da enxaqueca… um deles é o estresse.
Há dois dias consigo me alongar quando acordo. Um pouco porque ainda fico levemente zonza ou unbalanciert, como dizem aqui. Ontem (Segunda-feira) consegui fazer um pouco de esporte, hoje mais um cadiquim. Repassei a papelada que recebi na Quinta-feira e entendi tudo o que vi. Temos uma vista lindíssima do prédio e a paz e o silêncio reinam quase o tempo todo. Várias informações muito relevantes já foram pras minhas anotações e uma pequena luz no fim do túnel se acendeu, outras se apagaram.
Falei pro médico hoje que ele está a par do meu processo completo, pródromo, aura, ataque e o que ele chamou de “post migraine honeymoon”. Nos últimos 8 meses, porém eu vinha pulando a última fase ou a substituindo por ansiedade/medo do próximo ataque.
Acolhimento? Nem tanto. Validação? Sim. Atenção? Nhé. A propósito, agora com o cérebro em algum lugar acima dos 80% da capacidade – não parece Münster ne de longe. Nem de cabeça pra baixo.
Comecei a reler A Hora da Estrela da Clarice Lispector – que nunca terminei de ler como outros trocentos da minha lista. Enquanto me prendo nas palavras do sádico e confuso narrador Rodrigo SM, o texto me dói e me causa angústia. Angústia minha, que sou uma versão de Macabéa nas terras germânicas, indo me tratar na esquina com a Dinamarca de uma doença invisível em uma língua que eu, [incompetente, diria Rodrigo] – gaguejo quando tenho crise. Céus, gaguejo em qualquer língua! E enquanto sinto o peito queimar eu me pergunto porque meus alcances de post na rede de ibagens (hshshs) crescem tanto desde que passei a bradar minha literal dor.
Dentro dos meus processos eu entendo que [acho que] busco acolhimento, validação e atenção. Nas idas e vindas de likes e recortes populares com discursos monetizáveis sabe-se também que, pelo menos desde os tempos do coliseu, nós gozamos o sofrer alheio. Nao acuso aqui [quase] ninguém de estar se deliciando com minhas dores, mas sim de sermos uma sociedade ensinada – por auto proteção? – a perceber, focar e usar mais nossa atenção com o que nos impacta negativamente.
Entretanto, enquanto passo meus dias num completo estado de sobrevivência há pelo menos 3 estações, esse compartilhamento de dor me reconectou com amigos que compartilham também a língua, o drama, riem das minhas piadas com nuances inguísticas e entendem toda essa cultura do migs ta foda – outros mais formais. Essa reação está ressoando como um leve semblante do que um dia eu chamei de esperança.
Por do sol pré primavera – será que ela vem?
Há dois anos eu me separei e comecou a pandemia. Eu estava vivendo um luto profundo e me reconectando com meu corpo de uma forma quase obsessiva – movimento que comecou como forma de driblar a enxaqueca. Estava trabalhando a minha espiritualidade com amor, entrega, medo e dedicação. Hoje eu sobrevivo. Em alguns dias minha cabeça fica tão atordoada que soluções simples são irreais. Chego a levar quatro tentativas pra passar meu café. Às vezes desisto.
Os médicos (Rodrigos?) perguntam quando me vêem pela primeira vez se algo mudou na minha vida na época que as enxaquecas pioraram. Sim, Rodrigos. Eu migrei, minha gramática foi arrombada pela sua, minhas verdades são batalhadas, sai de um relacionamento de 12 anos, minha irmã se mudou pra cá, adoeceu e voltou, me mudei três vezes, tive 7 chefes em 4 anos, tem pandemia, fui infectada no primeiro round, passei a ter problemas de circulação sanguínea e em questão de semanas minhas enxaquecas enlouqueceram. E tá tendo guerra ali no pais vizinho do país vizinho. Eu tô eliminando detalhes.
Eu tinha uma-duas crises por ano. Agora chego a ter duas por semana e algumas duram uma semana – façam as contas. É tão irreal programar algo que a ansiedade se tornou uma piada inóspita. Já o medo… Tenho medo de me alongar. Tenho medo de me exercitar. Tenho medo da próxima dor e agora um eventual medo de subir escada, que é um gatilho de crises pré instauradas.
Na foto os lindos cachos que tosei há duas semanas porque sinto dor forte no couro cabeludo com o peso dos fios. Mas passarei a dizer que gosto da praticidade do corte :P
E nessa saudade da saúde que eu achava não ter eu resolvi fazer um apanhado da minha vivência aqui – por motivos médicos, para facilitar a memória que me falha drasticamente nos ultimos tempos e – pasmem – em busca de acolhimento, validação e atenção.
Amanhã entro no Hospital de dor de cabeça crônica e enxaqueca de Kiel. Mais longe que Goiás. Me desejem sorte: a otimista inveterada que vos escreve perdeu esse dom em algum lugar do passado. Há de voltar. Se ainda houver mundo.
Aprendi a ler antes dos 4 anos brincando com as cartilhas da minha irmã. Tinha pavor da alfabetização precoce porque a minha aparentemente me gerou, basicamente, estresse. Tenho diversas memórias na infância que hoje entendo como cobranças desnecessárias, pois eu era tida como uma promessa de “sucesso”; e simplesmente sou uma pessoa bem mediana que questiona os o que chamam por aí de sucesso.
Pois bem, minha filha com 1 ano e meio brincava de ler a marca na lona da piscina “pi-shi-na vo-vô”, passou a perguntar o que tava escrito em tudo que queria e memorizou as letras pouco antes de fazer 2, isso sem estímulo intencional à alfabetização. Luiza memorizou sei lá quantas logomarcas porque apontava pra faixada das lojas e perguntava “que mercado é esse?”, eu só respondia. Em seguida a gente tomava o ônibus e ela ia berrando “olha o Lidl! Olha o Rewe! Olha a DM! O banco do papai! Aquela moça tem uma sacola do Edeka!”, Eu gargalhava com um mix de roxa-de-vergonha e morta-de-orgulho daquele bebê de fralda apresentando as lojas pelo caminho.
Comecei a dar uma surtadinha basica e, nas conversas com amigos, eu entendi que não responder quando ela pergunta é um desrespeito ao interesse dela e que eventuais malefícios viriam da imposição do aprendizado, eventualmente também da cobrança de uma genialidade por parte dela.
Agora estamos chegando a 3 anos e meio, ela pega o lápis de cor e escreve a letra A ou S, ela pega o meu telefone quando toca e já me avisa quem tá ligando e vez por outra me traz umas pérolas, tipo dizer que na capa do livro tá escrito Margô (o sobrenome do autor é Ca’margo’) e dizer que o Terno “é com a mesma letra da Lanterna”. Eu acho graça, sinto um orgulhinho e não tento impulsionar mais, seguindo o ritmo da curiosidade dela.
Na Alemanha não há alfabetização antes dos 5-6 anos, quando as crianças vão pra escola, ela tá na Kita e o dia é preenchido com passeios, música, histórias e brincadeiras. Mesmo assim se eu falar no verão “in Sommer” Ela me diz “mamãe, é im Sommer, com M assim” fazendo um M de libra, que não faço ideia com quem ela tá aprendendo, haha.
Segue o baile… Eu tava com uma lista de compras na mão e a Luiza pediu pra escrever. Eu falei “tá, escreve seu nome”, isso foi há umas três semanas. Não é que ela escreveu? Ela tem 3,5 anos, saiu um Z zoado e conhecendo minha cria, sei que ela se embananou no A por conta disso. Eu fiquei embasbacada sem querer fazer muito alarde pra não inibí-la.
Semanas depois eu disse pra ela que minha amiga que estava nos visitando também amava as letras e sugeri que ela escrevesse o nome de novo. Ela, bem serelepe, pegou o giz de cera e mandou esse L “pequenininho pequenininho” o U assim do lado e assim por diante, narrando a tarefa. No fim ela perguntou, “mas mamãe isso aqui não é um C?” apontando pro Z dela. Eu disse que o Z é bem difícil de fazer mesmo, mas que o dela estava excelente pra idade dela, mostrei com o giz vermelho como tinha sim um Z ali.
Luiza me vira do avesso e redefiniu minhas certezas. E eu, que ainda brigo comigo mesma pra definir minhas levezas, vou levando esses cutucões e torcendo pra seguirmos nosso caminho tranquilamente, pacientemente, naturalmente… E assim ela continuar a me ensinar.