Tava ontem falando pra Claudia Ramos que, nesse primeiro ano de Berlim, a minha única reclamação era o breu. Os dias estão ficando rapidamente mais curtos e daqui a pouco a gente tem menos de 7 horas corridas de luz do sol. Mas a vida é cíclica, o outono acaba e o inverno chega aumentando os dias pouco a pouco… uma coisa linda de se ver e de se aceitar. Aprendizado, superação, sascoisatudo.
Daí hoje é domingo. Praticamente nada no comércio abre (com excessão de restaurantes ou pontos longe-da-minha-casa que tem mercado caso haja uma emergência). E eu não tenho mais polvilho e tô louca de saudade do pão de queijo que acabou essa semana.
Na Alemanha ou você aprende a se planejar ou você aprende a se planejar.
Bom dia.
Págens
Luiza um dia começou a chamar as páginas do livro de “págens”. Eu corrigi. Desde então ela fala página pra tudo que tá afim. Se bem conheço minha cria, deve ter uma lógica, mas ainda nao captei.
“Mamãe, essa é a página do metrô”, enquanto anda pela estacão.
“Mamãe olha aqui essa página” vendo o rótulo de um produto.
“essa é a página da piscina” olhando a placa da entrada.
A confusão permanece, porque ela acha que a língua com a qual nos comunicamos se chama Alemanha e se refere ao alemão que ela fala na Kita como Deutsch. Acho justo, mas fico meio perdida se corrijo ou não – principalmente porque já tentei e não adiantou.
Ideias?
Kaputt geworden
Luiza, quase 32 meses, com o bilinguismo batendo forte.
Sobe no sofá e diz “Ich versuche nochmal” (eu tento de novo)
depois de dez tentativas ela quase toma um tombo e fala repetidamente “ich xxxxxx kaputt, ich xxxxxx kaputt, ich xxxxxx kaputt!”
Sem entender eu falo:
– Filha, fala em Alemanha – pois ela chama alemão de Deutsch e Português de Alemanha.
– Eu CAPUTEI! (eu capotei)
E mais associações maravilhosas estão por vir… haha
Renovação
Passamos alguns dias sem post com a visita do tio Dindo da Luiza aqui em Berlin. Tenho muito orgulho de ver como o tempo passa e a pequena nutre o amor pelos familiares apesar da distância, e entende como precisa aproveitar a presença, pois estão nos visitando – ou seja, vão voltar pro Brasil em breve.
Isso significa que ela passa os dias com um excelente humor, distribui abraços, sorrisos, faz graça e no fim se despede sem choro, com abraço forte e muito carinho. A gente acha que ela tem uma tristezinha nos dias que se seguem, que acaba sendo demonstrada com dificuldade de sono e um pouquinho de choro, mas ela não questiona a condição de estarmos aqui e eles não.
Eu acho que já mencionei isso aqui (to com vestígio de enxaqueca e muita preguiça pra me certificar, sorry), mas acredito que a Luiza crescendo com acesso a duas línguas e meia, tendo uma cultura dentro de casa e outra na rua, com horas de Skype, visitas e amor, vai ter uma construção diferente da nossa quando se trata de saudade e distância.
Eu assimilei que as vezes estamos próximos das pessoas fisicamente, mas o coração tá distante… e vice-versa. Porém eu assimilei isso com quase 30 anos, já ela tem 2 e é assim que tento ensinar. Fico feliz quando ela, espontaneamente, no meio da nossa oração, agradece pela casa nova, pelo metrô de Berlin, pela neve e pelos avós e tios. São indícios de que ela ama tudo que a cerca por aqui, e tudo que deixamos lá.
Recentemente fui buscá-la no Kita e ela pediu pra dar um abraço numa das cuidadoras antes de ir. O abraço levou tanto tempo pra terminar que fiquei levemente constrangida, mas a Soledad (sim, ela é chilena e muito amorosa!!) parecia estar curtindo aquele abração sem fim tanto quanto a Luiza… O constrangimento virou orgulho e gratidão.
Receber gente que amamos na nossa casa, no país que escolhemos e nos escolheu, é revigorante e acalentador. Continuamos lutando pelo nosso espacinho aqui, pela integração, conhecendo mais gente, mais lugares e felizes e pelo que vem acontecendo no nosso percurso.
Eis
Essa semana eu tive prova do curso de alemão. Tô basicamente na metade do que seria o nível básico de alemão.
Minha maior satisfação foi saber tudo o que estava sendo dito na prova inteira e entender as questões. O bônus foi ver os colegas que eu acho que falam muito melhor do que eu me pedindo cola, hahahaha.
Eu percebi que realmente tenho uma afinidade com a gramática, pelo menos no nível básico que tenho sido apresentada. Os fonemas estão se tornando mais familiares, porém preciso ainda de muitas horas diárias pra criar a memória auditiva. O fato de sermos uma família brasileira é maravilhoso em mil aspectos, principalmente pela certeza de que Luiza jamais perderá o português que ela exercita com a gente. Mas passo 90% do tempo vivendo em Português, e isso “atrasa” o desenvolvimento da terceira língua.
Não posso dizer, porém, que não estou satisfeita. Hoje eu me vi na mesma sorveteria que estive há 6 meses. Da primeira vez eu não fazia a menor idéia do que eram os nomes dos sabores e a minha amiga precisou pedir pra gente. Hoje eu entrei, na fila captei algumas conversas, ri do vendedor brincando com as crianças, compreendi os sabores, escolhi, pedi certinho, educada, respondi as perguntinhas básicas do atendimento (tipo copo ou casquinha!) e me despedi agradecendo aos céus por saber como as coisas mudam.
Além disso, tenho me percebido uma fã incondicional do meu quarteirão e seus arredores. A sorveteria natureba, a cafeteria famosa, os restaurantes deliciosos, os bolos do café da esquina, o visual do restaurante/livraria, as galerias de arte, a padoca de 130 anos… E morro de emoção quando reconheço alguém com quem já troquei um bom dia ou pedi uma informação andando aqui no bairro. É muito bom se sentir em casa poucos meses após mudar de continente.
Talvez seja pela minha cerveja favorita, talvez pelo queijo divino que comprei na promoção por menos de 2$ ali no mercado. Talvez seja pelo sol que saiu hoje e deu um sample de primavera, pela visita do cunhado ou porque mamãe e irmã jajá estão chegando também pra visitar… O mais provável é que, pela soma de tudo e por um tanto mais que tem acontecido: estou feliz como há muito não me sentia.
Ich freue mich auf die Zukunft.
A série
Eu tenho uma série mental de coisas que me lembram o quanto eu amo/devo agradecer por estar aqui.
Resolvi registrar. Pra começar, já pedindo perdão aos vegetarianos:
Currywurst.
Por que?
Por muitos anos eu dizia que cachorro quente era minha comida preferida. Enjoei faz tempo, mas eu sempre senti falta do salsichão que eu comia na AABB quando era micro criança em Belo Horizonte. Na época eu comia com mostarda. (aliás, as mostardas daqui tão na minha lista também)
Passei uns anos frustrada procurando salsichão nas barracas de churrasquinho de festa junina. Me lembro de algumas situações específicas de pedir salsichão olhando o cardápio e o tio dizer que não tinha. Ano passado na fila da barraquinha de churrasquinho tivemos um papo sobre isso com um estranho, também frustrado pela falta da iguaria. A dona do lugar/churrasqueira disse que há anos não via pra comprar, por isso nem pensou em levar.
Daí eu chego em Berlim no verão de 2016, e a primeira coisa que a gente come – ainda no aeroporto – pra trocar o $ do ticket do metrô: Currywurst mit Pommes. Gente, é salsicha com ketchup, curry e batatinha frita. E eu, que nunca na vida comi ketchup, amei.
Minha amiga que estava comigo na ocasião disse que era típico aqui, que tinha em toda esquina, e eu pensei ‘ok, então eu posso morar aqui!’. Só que naquela hora, no aeroporto, a gente pagou 7€.
Agora eu almoço uma versão ainda melhor por €1,80. Recomendo.
(continua…)
Lais
“papai tila a sujela do dedo” com o dedinho esticado pro pai.
Enquanto ele acode eu pergunto “filha, de onde você tirou essa sujeira?”
– Do naliz.
A cara do papai foi impagável, hahahahahahahahaha
Cor-de-rosa
Eu nunca fui do time cor de rosa. Eu gostava de azul e de vermelho. Depois só de vermelho. Depois de amarelo. Não fui impressionada pelas princesas nem por nada mais da Disney. Tive minha filha no meio da primavera feminista, o que me deixou ainda mais atenta a como/quando/porque expor à minha filha essas miudezas. Então eu sempre fiz questão de ter coisas de todas as cores e apresentar todas as coisas, sem imposição de gênero.
Somados à isso, eu tenho uma política de sempre dar à Luiza duas ou no máximo três opções, e com essa limitação tento ensinar que ela tem uma liberdade, mas dentro do que é oferecido por nós (A.K.A. necessário). A estratégia serve em qualquer âmbito: quer comer banana ou mingau? Quer vestir o casaco azul ou o roxo? Quer escovar os dentes com a escova de galinha ou do macaco? Quer ir de mãos dadas ou no colo? Não há opção de não executar a ação. E se ela resiste eu explico que algumas coisas a gente faz sem gostar mesmo, emendando uma historinha de porque é preciso fazer aquilo.
E hoje… um dia comum, mas provavelmente uma das últimas vezes que eu levo a Luiza de carrinho até o Kita – porque o papai vai passar a levá-la de bike. Aproveitei que vi um pai passando de bicicleta com o filho na mesma situação, eu disse pra Luiza: “olha lá filha, é assim que você vai amanhã pro Kita”, e no intuito de falar sobre o capacete que ela vai precisar usar eu continuei:
– E tá vendo aquele chapéu verde que o menininho está usando?
– Chama capacete, mamãe!
(hahahaha)
– É o que, filha?
– Capacete!
– Ah, que bom que você conhece o capacete! Então, o papai vai te levar na loja pra você escolher um pra você.
– Pode ser Rosa, mamãe?
– Claro, meu amor. Pode ser rosa, pode ser amarelo, pode ser azul, pode ser de jacaré, de Bob Esponja, de Hello Kitty…
– O da Luiza é rosa.
Daí a mãe engole o choro e começa a rir. Pode ser rosa sim, com sorte não vamos ter na loja uma opção de um rosa que *EU* ache muito feio.
E, a julgar pela nossa experiência, é praticamente impossível que a Luiza mude de idéia.
EDIT: animais (zebra e pato inclusos) > cor de rosa. Obrigada, Universo!
O fim de uma era
Eu tenho um pouco de receio em registrar este fato, mas após a última soneca estou confiante. Vou relatar, portanto.
Luiza mamou (assim, no passado) por 2 anos, um mês e 20 e poucos dias. Esse negóz de livre demanda a gente já abandonou faz um bom tempinho. Dias antes de virmos pra Berlim, entretanto, ela resolveu se comportar como um recém nascido e mamar loucamente e absurdamente. O vôo pra cá foi enlouquecedor, ela plugou no meu peito e terminou quando pousamos. Eu só pensava que vida linda deve ter aquela mãe que tava dando mamadeira pro filho na poltrona do lado.
Eu estava exausta.
Sim, amamentar é uma dádiva. Nada se compara aos benefícios para a criança, a OMS recomenda a amamentação até os 2 anos, bla bla bla. Sou defensora do leite materno, sou orgulhosa por ter chegado onde cheguei, tenho muita sorte por ter apoio e por conseguinte não ter desistido.
Mas eu estava exausta.
Daquele vôo até a semana passada passamos por 3 ou 4 resfriados. Por pior que parecessem todos eles saravam completamente em 2 ou 3 dias, acredito que por conta do “mamá”. Tenho uma mocinha que nunca arrancou meu peito pra fora, ou deu escândalo pra mamar fora do horário ou lugar combinado, desde que começamos a ter esses padrões. Tenho um anjinho e tenho sorte.
Sim, mesmo assim eu estava exausta.
Há mais ou menos três semanas eu estive numa conversa com uma amiga e mencionei como eu estava esperando ela se adaptar no Kita e o inverno acabar pra tirar o mamá. A Luiza aparentemente estava brincando com as amiguinhas na minha frente… mas ela ouviu, interpretou e, assim que chegamos em casa, as próximas 12 vezes que eu disse a palavra “Kita” eu recebia a resposta agressiva “EU QUELO MAMÁ!” – com uma cara superbrava.
Eu sentei ela comigo, expliquei que a gente ia pro Kita, mas quando chegasse ia ter mamá, e que a mamãe não ia parar de dar hoje. E pensei: ok, ela vai mamar até os oito anos. Desde então, cada vez que ela pedia pra mamar a noite eu negava uma vez e dava na próxima.
Daí quatro dias atrás ela acordou e mamou. Como sempre. Mamou pra tirar a soneca da tarde. Só que naquele dia ela mamou 3 vezes e não dormiu… Eu simplesmente disse que tinha acabado. Ela disse algumas vezes “eu quelo mamá não”, sendo esse “não” providencialmente adicionado quando ela se lembrava que não tem mais.
Nas últimas noites e sonecas da tarde eu tenho apresentado pra elas as rotinas de soninho que as outras crianças tem: lemos, vimos desenho, cantamos e contamos histórias. Ela adora as histórias. As vezes ela acrescenta um detalhe vindo diretamente da cabecinha dela. Exemplo fofo:
(…)”e ficavam olhando pras estrelas, láaa no céu”… e ela apontando os dedinhos em movimentos circulares pra cima “e a nuuuuuuvens, e a luuuuuua”(…)
Uma falação sem fim compactadas em menos de 10 kg de fofura extrema.
Pra não dizer que ela não pediu mais, nas últimas 3 noites, sempre perto das 5h00, ela resmunga e pede… mas eu falo “lembra que acabou?” e ela já emenda “quelo hitólia, mamãe”. E às 5h00 da manhã, babando de sono eu balbucio “era uma vez” seguido de qualquer outra coisa. Em 50 segundos ela dorme. E isso se repete por 2 ou 3 vezes antes de acordar pra valer.
É o fim de uma era. Ainda não senti falta, se é que sentirei. Por agora só orgulho de nós e a ansiedade pelo fim do despertar desorientado das 5 da manhã.
iu e precisei
Luiza tropeça na onça de brinquedo:
“Eu picisei na onça”
Mais tarde, voltando do Kita de metrô – o qual ela insistentemente chama de “Berlin”.
“A gente iu de Berlim”
Manda mais, pfvr.