Entre Luz e Escombros

O sol, mais uma vez, eu sei

Um dia cinza como outros 250 por ano em Berlim. Quando um pequeno feixe de luz irradia um cantinho da casa lá vai a cachorrinha se esticar e se aquecer enquanto eu permeio uma infindável lista de pendências e urgências num dia-a-dia preenchido com o [que me soa] primordial. O fim do ciclo sempre parece estar logo adiante, com ele o precioso recomeço.

Sabedoria canina

Das vidas que vivi destaco a velocidade (veracidade? voracidade?) em que as coisas pós migração aconteceram (acometeram? atrocederam?). Uma vida pra planejar, vida pra encontrar a creche/pre-escola pra cria, vida pra achar um apartamento permanente [haha, que não era permanente], vida pra se estabilizar [haha2], vida de pandemia/ processo de separação e a longa vida que venho vivendo na antítese do que vislumbrei. No meio de tanta morte delimitando cada etapa, venho percorrendo os feixes de luz – percebendo-os ou não.

Quando o Tarot me mostra a Morte ou a Torre eu vibro a validação. Em pouco mais de 5 anos na Alemanha a Roda da Fortuna segue a girar. Não seria o próximo passo mais leve? Está! Posso confirmar! Não há um dia que não pense o quanto as coisas estão difíceis e não há um dia que não passe por elas de forma menos penosa que outrora. E, apesar da timidez, o sol está lá mais uma vez, eu sei. Seria aceitação?

Aqui a sol é feminino, die Sonne

Tarefeira e viciada em estresse que sou [aos poucos domando esse capataz de mim] sigo como um tratorzinho em busca das tretas que a vida oferece. A burocracia alemã me é um prato cheio na racionalização, o trabalho me exige a prática dessa paranóia. Tá bom Civi, canaliza isso aí e me deixa viver em paz aqui, observando e me conectando com aquilo que não se mede e não se vê.

A jornada do herói do lado de cá se dá num piscar de olhos. E isso num mar de privilégio com a constante de não pertencer a lugar algum. Haja fôlego e força pra tantas heroínas nos dias cinza sem luz solar. Haja-os também pra nossa gente sem amor, dignidade, seguranca nem liberdade. Que possamos em meio a tantos dias cinza (no céu ou na essência) nos apossarmos do sol que reluziu dentro de nós e começarmos mais uma vida, e outra – e outra – e outra. E se no seu caminho tiver um espelho, tome o tempo: se aprecie. Se tiver um raio de sol, respire fundo: se aqueça.

Do lado de cá eu o farei. Quando der. Hoje não deu.

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Como (me) ser? Como se faz?

De quantas dores você se fez? Dores físicas, desconforto, paralisia, desencanto?

Por aqui tenho uma mente tagarela e cruel. Auto punição e julgamento, busca de lógica onde não há, pequenos loops me levando de lugar algum a nenhum lugar, avalanche de ideias não relacionadas concomitantes e muitos outros nada-irrisórios sintomas de quem simplesmente não se deixou e aceitou apenas estar (aqui e agora).

Parei de escrever sobre minhas ideias quando me tornei mãe, passei a escrever sobre a cria que me inspirava. Vida nova e poesia: renascer com ela, me moldar, me estranhar, me abandonar, me perder de vista — e depois sentir minha falta, me buscar e terminar desfazendo tudo o que eu conhecia como segurança (repetidas vezes, enquanto houvesse algo). E quando só havia pó eu me pus a chorar. O choro dolorido se tornou uma tribo, um ar, um punhado de sentimentos novos e no fim um lar, sempre — as vezes a duras penas — acolhendo a tristeza latente.

Dor. Dizem que por ela acessamos o que somos. Depois de me multiplicar, me transformar e finalmente me perder, me presenteei com uma perspectiva de um enorme nada. Porém, esse nada dizia apenas do desconhecido, ‘nada’ que eu, ex-controladora, fosse capaz de prever. Porém o vazio estrutural se transformou numa infinidade de possibilidades. A única coisa que não deixo de ser: a mãe da Luiza — a menina que veio a ser o meu ponto de partida.

Luizoca Pipoca 6 anos

Problematizo tudo, porém problematizo com ainda mais afinco a maternidade compulsória e o amor materno natural e inato. Um médico que me acompanhava na gestação me deu o aval (porque tem que ter chancela pra autorizar /ironia) de construir meu amor pela minha filha dia após dia, como fiz com outras pessoas. E avassaladoramente veio esse pequeno ser me dilacerando e me fazendo desmontar o que existia pra ser (outro?) alguém — por ela, pra ela e, quando dá, com ela.

Depois de migrar em família desfiz — desfizemos! — um relacionamento de 12 anos, com a as bêncaos dos deuses. [Aceitar o fim de um ciclo é uma grande dádiva que nos liberta de uma vida que poderia ser desastrosa. Poderia não ser, mas não sabemos porque escolhemos o desfecho :}] Encaramos uma dor, quase do tamanho do amor pela miúda, que se alastrou por meses ou anos, nem sei… [e alguém sabe contar tempo pós pandemia?] Eu só sei que passou. As vezes mais, as vezes menos. Dia após dia reconstruir uma outra relação familiar sem o componente romântico entre os pais. Me recompor e me centrar pra tentar descobrir , por debaixo das diversas camadas pensantes: eu?

Viajando sem ela mas tirando foto pra ela

Perdi as contas de quantos insights, por vezes contraditórios, vieram delineando esse esboço da mulher que sou. [Há muito pouco tempo me permitindo, ainda com certa estranheza, me chamar de mulher… como se finalmente tivesse aceitado crescer.] I am a free lady trapped by the system, repito pra mim e pros outros quando algo não-previsto ou não-convencional passa por mim. De fato estamos todos de alguma forma ligados / presos a um sistema que nos impede de reconhecer e conhecer o lado de lá do espelho.

O bom e velho: eu não sei o que quero, mas sei o que não quero. Tenho menos saúde — Gracias long Covid. Porém: tenho mais leveza, aceito menos cobranças, sou mais debochada, menos articulada, mais curiosa, menos conectada… e tenho uma amável facilidade em me conectar com minha filha, e isso muitas vezes a única coisa que realmente me importa.

Com quantas dores você se fez? Qual a forma do seu acalento? O meu continua perdido, no entanto o percebo um cadiquim no sorriso (atualmente) banguela dela. Aquela que um dia há de se orgulhar de uma mamãe que ousou fazer um tudo de coisas fora do script. Doa o que doer.

O resto é consequência.

PS: 2022 e pelo visto ainda escrevo sobre maternar.

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Pacificamente Desajustada

Originalmente postado em 17.11.2019

No meu finado, perdido e, até o dado momento, irrecuperável blog eu mencionei por diversas vezes o estado do migrante de não ser daqui nem de lá. Meu pai costumava me dizer quando criança que isso traria uma permanente insatisfação. Hoje ele mesmo migrou — mais de uma vez — e eu me percebi alinhada e confortável com o sentimento sou-de-lugar-nenhum.

o lado de lá daqui

Tenho uma ligação forte com alguns lugares específicos, uns conhecidos outros ainda não. Minha crendice/espiritualidade me convence que a conexão vem de outros planos enquanto minha inadequação e inquietação se sustentam onde quer que eu vá. E independente da conexão, eu amo viajar e poder ver gente e culturas diferentes do que sei.

Quem me conhece bem sabe que tenho dificuldade com algumas dualidades e fonemas específicos, aprendo devagar e quando falo misturo esquerda com direita, antes com depois, água com égua, sem vergonhice com coragem e beber com comer; opostos ou similares, nenhum termo será salvo. Feio, bonito, errado, certo, devagar, lento, limpo e sujo ganham significados únicos dentro de 6 bilhões de cabeças, moldados por seus respectivos repertórios.

Eu, business-bruxa e executiva-podicrê, que dou risada falando sério e choro de alegria, passei os últimos dias em trânsito entre reuniões de trabalho, relatórios importantes (pra quem?), uma saudade do tamanho do planeta e reencontros mágicos, somando pontinhos e criando conexões pra minha vidinha.

Encontrei uma prima incrível que não via há pelo menos 2 décadas, reencontrei meu best friend da época da faculdade e padrinho de casamento, não vejo minha filha há mais de 3 semanas (e ela está sapeca e plena visitando a família), conheci pessoas que deram faces à um parceiro de trabalho de mais de 2 anos, em breve eu pisarei no quarto país em 30 dias e vejo claramente mais um turbilhão de trabalho pela frente. Estou feliz, triste, animada, estressada? Não, sim, plenamente, certamente e de forma alguma. E tudo bem; o confuso me soa realização pessoal. O estresse de trabalho incluído, com a lindeza de saber que é só trabalho.

Por uma série de motivos e acontecimentos somados à terapia e treinamentos tive a graça de entender que meus sentimentos não são quem eu sou. Tenho raros picos de alegria, normalmente em shows de rock ou num parque debaixo do sol com minha família. No restante do tempo eu aceito, confio, entrego e agradeço, o resultado é paz.

Sair dessa linha de raciocínio as vezes acontece, errar faz parte do aprendizado dá graça à vida. Vai ver meu finado Blog morreu pra ninguém mais precisar ler o que não era mais eu.

Desculpa se disse bobagem, é que não sou daqui (marinheiro só).

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Meu trabalho em Berlim

Definir prioridades priorizando qualidade de vida

Originalmente postado em 12.03.2019

Quando comecei a trabalhar fiquei impressionada com a falta de assuntos de cunho pessoal, com o fato de ninguém abrir o próprio email ou atender o telefone. Afinal, there’s no fun in Germany.

Lembra desse meme?

Eu só tive experiência com uma empresa na Alemanha até o momento, então não sei se tive sorte ou se é um padrão. Diversas vezes no escritório me disseram pra não levar o trabalho pra casa. “Eu faço isso, você tem uma família, eu não”. Família é mais importante, saúde é mais importante.

Na minha entrevista de emprego, o entrevistador era o diretor de operações da empresa, atualmente meu chefe direto. Não me lembro de ele ter perguntando se eu tinha filhos, mas eu mencionei a filhota ao dizer que não gostaria de fazer o trabalho em horário integral. A resposta foi que eu poderia fazer 30 ao invés de 40 horas, pois a diferença do salário não compensaria minha ausência na vida de uma criança pequena. “Se eu fosse pai não trabalharia horário integral”. Chamei a miúda de “meu melhor projeto” e ele me disse sorrindo que com esse nunca iriam competir. Anotado.

Tive uma enxaqueca na sexta passada e meu fim de semana ficou esquisito. Me senti cansada na segunda. As 15h, pouco antes de sair, pedi a terça de férias pro novo chefe (que está no cargo há uma semana), ele disse “sem problemas, eu fico no floor, é bom pra me familiarizar com a equipe”.

Achei prudente avisar o atual chefe, mandei um whatsapp com algo como “Amanhã não virei, preciso ficar em casa. Minha enxaqueca não foi totalmente embora. Vou, porém, checar os emails pois tenho uma call com cliente X as 13h”. A resposta que recebi foi exatamente: “Sure. Take some rest. And don’t work too much.”

Aprendendo a língua :)

Sou chefe de uma equipe de 15 pessoas em expansão, tenho 3 pessoas de confiança (algo que seria como coordenadores) que junto dos meus dois chefes fazem minha presença saudavelmente dispensável por alguns dias. Ou duas semanas. Na ausência de um deles eu também faço o que estiver ao meu alcance pra minimizar o impacto.

Férias na Alemanha

Normalmente as pessoas têm de 25 a 30 dias úteis de licença paga por ano. Eles podem ser tirados isoladamente – como meu dia de hoje – ou em sequência. Ou seja, por serem dias úteis – ao contrário do Brasil -, uma sexta e uma segunda debitam só 2 dias no seu acordo e você naturalmente usa 4. Metade de um dia também pode ser usado – por exemplo pra uma visita ao médico.

Normalmente a cada mês trabalhado você está elegível a 2 dias de férias que podem ser acumulados, mas de preferência não muito, ha. Enquanto gestora, eu instruo que os dias isolados sejam solicitados no mais tardar na semana anterior e sequências com pelo menos um mês de antecedência — porém férias próximas ao Natal e de verão começam a ser planejadas com 3 ou 4 meses de antecedência. Assim consigo evitar ausências concomitantes de pessoas com mesmos habilidades/perfis.

Acontece as vezes de eu ir até um funcionário e pedir por gentileza pra ele agendar férias, porque em quase 5 meses ele pediu nenhum dia, ou poucos. O ideal é que, antes de cada 12 meses de trabalho serem finalizados, todos os 26 dias ou boa parte deles já tenham sido usados.

Fun facts about Germany

Eu vivo a seriedade com que a Alemanha é vista, mas também vejo uma Berlim despojada em uma média de 3 minutos por semana no meu trabalho. Sim, isso foi uma tentativa de piada ruim como as diversas que eu solto em momentos inoportunos e quase ninguém ri.

Dentro do escritório há muito pouco tempo hábil pra relações se tornarem uma amizade, porém há um imenso respeito pela necessidade do funcionário em passar tempo com sua família ou simplesmente fora do escritório.

Além disso, estranhamente pra uma brasileira como eu, existe uma verba pra gente passar algumas horas juntos fora do ambiente formal a cada 3 meses, visando nos conhecermos melhor.

Tem hora pra tudo: até pro happy hour. Now go back to work.

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Percepções redefinidas

Aprendi a ler antes dos 4 anos brincando com as cartilhas da minha irmã. Tinha pavor da alfabetização precoce porque a minha aparentemente me gerou, basicamente, estresse. Tenho diversas memórias na infância que hoje entendo como cobranças desnecessárias, pois eu era tida como uma promessa de “sucesso”; e simplesmente sou uma pessoa bem mediana que questiona os o que chamam por aí de sucesso.

Pois bem, minha filha com 1 ano e meio brincava de ler a marca na lona da piscina “pi-shi-na vo-vô”, passou a perguntar o que tava escrito em tudo que queria e memorizou as letras pouco antes de fazer 2, isso sem estímulo intencional à alfabetização. Luiza memorizou sei lá quantas logomarcas porque apontava pra faixada das lojas e perguntava “que mercado é esse?”, eu só respondia. Em seguida a gente tomava o ônibus e ela ia berrando “olha o Lidl! Olha o Rewe! Olha a DM! O banco do papai! Aquela moça tem uma sacola do Edeka!”, Eu gargalhava com um mix de roxa-de-vergonha e morta-de-orgulho daquele bebê de fralda apresentando as lojas pelo caminho.

Comecei a dar uma surtadinha basica e, nas conversas com amigos, eu entendi que não responder quando ela pergunta é um desrespeito ao interesse dela e que eventuais malefícios viriam da imposição do aprendizado, eventualmente também da cobrança de uma genialidade por parte dela.

Agora estamos chegando a 3 anos e meio, ela pega o lápis de cor e escreve a letra A ou S, ela pega o meu telefone quando toca e já me avisa quem tá ligando e vez por outra me traz umas pérolas, tipo dizer que na capa do livro tá escrito Margô (o sobrenome do autor é Ca’margo’) e dizer que o Terno “é com a mesma letra da Lanterna”. Eu acho graça, sinto um orgulhinho e não tento impulsionar mais, seguindo o ritmo da curiosidade dela.

Na Alemanha não há alfabetização antes dos 5-6 anos, quando as crianças vão pra escola, ela tá na Kita e o dia é preenchido com passeios, música, histórias e brincadeiras. Mesmo assim se eu falar no verão “in Sommer” Ela me diz “mamãe, é im Sommer, com M assim” fazendo um M de libra, que não faço ideia com quem ela tá aprendendo, haha.

Segue o baile…  Eu tava com uma lista de compras na mão e a Luiza pediu pra escrever. Eu falei “tá, escreve seu nome”, isso foi há umas três semanas. Não é que ela escreveu? Ela tem 3,5 anos, saiu um Z zoado e conhecendo minha cria, sei que ela se embananou no A por conta disso. Eu fiquei embasbacada sem querer fazer muito alarde pra não inibí-la.

Semanas depois eu disse pra ela que minha amiga que estava nos visitando também amava as letras e sugeri que ela escrevesse o nome de novo. Ela, bem serelepe, pegou o giz de cera e mandou esse L “pequenininho pequenininho” o U assim do lado e assim por diante, narrando a tarefa. No fim ela perguntou, “mas mamãe isso aqui não é um C?” apontando pro Z dela. Eu disse que o Z é bem difícil de fazer mesmo, mas que o dela estava excelente pra idade dela, mostrei com o giz vermelho como tinha sim um Z ali.

Luiza me vira do avesso e redefiniu minhas certezas. E eu, que ainda brigo comigo mesma pra definir minhas levezas, vou levando esses cutucões e torcendo pra seguirmos nosso caminho tranquilamente, pacientemente, naturalmente… E assim ela continuar a me ensinar.

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Marielle Presente

Eu adoraria ter conseguido falar sobre o que senti ontem com a notícia da execução de Marielle Franco. Não falei, só chorei.
Eu adoraria dizer que tenho esperança. Eu queria conseguir explicar pra minha filha a razão da minha tristeza e dos meus choros pontuais. Como eu queria ter vindo morar fora só pra realizar um sonho e não pra fugir do medo diário, do desgaste de energia, da desesperança de estabilidade e de um abismo social longe de ser tratado. Da educação elitizada – que perde muito de seu propósito e seu valor, na minha opinião.
A execução covarde de uma vereadora defensora dos direitos humanos, da vida humana, que dava voz a gente que merece ser ouvida me dilacera por dentro. Representatividade importa. Ela o fez com a coragem que se deve ter quando se ocupa tal espaço.
“Preto, mulherzinha, viadagem, macumbeiro, favelado”. Inferiorizados e calados.
Me intriga. Me dá asco a ousadia, covardia dessa gente branca, ultrapassada, ignorante que não sabe que o preconceito os faz muito menos humanos do que qualquer dos marginalizados por eles próprios.
A dor me toma conta diante de tudo que leio. O horror em ver tanta gente atordoada, eu sem saber como reagir, a vontade de gritar e pedir perdão por todos, por tudo.
Não tenho mote, não consigo formular muito… não tem graça, não tem início meio e fim. Hoje meu post é um mero desabafo: desconcertado, abafado e triste. Deus nos proteja…

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Perolinhas

3 anos e 3 meses. Uma metralhadora de conceitos emaranhados no que ela ouve por aí. Muito “certo e errado” e um perfilzinho analítico e detalhista querendo argumentar.

…….

Depois do banho perguntei se Luiza queria ficar mais uns minutinhos brincando na banheira. Quantos?
– Dez!
Saí, voltei, conversei com ela, fui na cozinha, voltei, falei com ela de novo, e de repente voltei sem falar nada e ela faz uma cara seríssima:
– Não passou dez ainda!! Eu tava contando!!
– Ah, tudo bem, devo ter me distraído. Quantos minutos faltam, filha?
– Vinte!
…………………………

– Filha, quer ver o Pinocchio antes de dormir?
– Sim! A Tanis da minha Kita fala Quinóquio. Ela fala errado, Pinocchio não é com Q, é com P!
– Que fofa!
– É mamãe, ela fala errado. Quinóquio. É errado.
– É porque ela é pequena, filha. Quando você era pequenininha e chamava o elefante de Tutu não era errado, era só seu jeito de falar. Você tava aprendendo ainda.
– Mas mamãe, Quinóquio é errado – gesticulando muito.
– Você acha, filha? E Pelevisão?
– Pelevisão é certo!

…………………………

— Mamãe, o que é isso branco aqui no seu cabelo?
— Isso é meu cabelo mesmo, são os cabelos brancos que você me deu.
— eu acho que eu não te dei não, eu acho que eles estavam aí mesmo.
…………………………

Botando pijama na miúda e conversando sobre as coisas que ela não precisa fazer:
— você já é craque, filha. A mamãe foi aprender essas coisas grande já. Sabe quando?
— hum? (Olhar muito interessado)
— com quase 30 anos.
— Trinta mamãe? Igual minutos?

*Dessa vez eu gargalhei*

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Planejamento ou fome

Tava ontem falando pra Claudia Ramos que, nesse primeiro ano de Berlim, a minha única reclamação era o breu. Os dias estão ficando rapidamente mais curtos e daqui a pouco a gente tem menos de 7 horas corridas de luz do sol. Mas a vida é cíclica, o outono acaba e o inverno chega aumentando os dias pouco a pouco… uma coisa linda de se ver e de se aceitar. Aprendizado, superação, sascoisatudo.
Daí hoje é domingo. Praticamente nada no comércio abre (com excessão de restaurantes ou pontos longe-da-minha-casa que tem mercado caso haja uma emergência). E eu não tenho mais polvilho e tô louca de saudade do pão de queijo que acabou essa semana.
Na Alemanha ou você aprende a se planejar ou você aprende a se planejar.
Bom dia.

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2 anos e 9 meses

Ela quer uma história específica mas não acha o livro. Eu digo “aí complica né filha?”. Me responde com as mãozinhas gordas em tom teatral feat. italiano:
“O complicado complica as coisas… porque… as coisas ficam muito complicadas. Ele. O complicado”.
Eu seguro o riso e concordo.
PS: Ela chama o ponto de interrogação de “complicado” porque uma vez ela perguntou o que era e eu falei que isso era complicado.

“Esse do biquíni é de por no mamá da mamãe. Mamãe, quando você fizer três anos você pode por assim” – e põe o sutiã na cabeça.

Hoje estávamos andando no metrô, ela me disse “mamãe, eu te amo”. Ainda ontem eu comentei com uma amiga que ela às vezes diz que me ama só um pouquinho. Essa espontaneidade dá um sabor especial à declaração.

Cada dia que passa a pequena me deixa mais orgulhosa das suas descobertas, mais emocionada pela sua personalidade e mais realizada pela companhia. Ela é um mundo de ensinamentos e me dá um caminhão de trabalho.

Vale cada segundo.

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Págens

Luiza um dia começou a chamar as páginas do livro de “págens”. Eu corrigi. Desde então ela fala página pra tudo que tá afim. Se bem conheço minha cria, deve ter uma lógica, mas ainda nao captei.

“Mamãe, essa é a página do metrô”, enquanto anda pela estacão.
“Mamãe olha aqui essa página” vendo o rótulo de um produto.
“essa é a página da piscina” olhando a placa da entrada.

A confusão permanece, porque ela acha que a língua com a qual nos comunicamos se chama Alemanha e se refere ao alemão que ela fala na Kita como Deutsch. Acho justo, mas fico meio perdida se corrijo ou não – principalmente porque já tentei e não adiantou.

Ideias?

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