Capítulo 10
A crise existencial aqui se tornou tão comum que ficou pequena o suficiente pra não me fazer tropeçar. É uma cutucadinha da angústia de existir no meio do dia, um rodopio de um vazio frio no meio do peito que se expande de uma forma desinpactante e me tira do corpo por dois, três segundos. Os segundos parecem minutos, mas o resíduo que permanece dentro das dependências físicas do corpo se mantém firmes em seja-qual-for a atividade e acaba ganhando esse cabo de guerra.
A sensação é de que nos primeiros anos da vida o que fiz foi nadar nadar nadar e {morrer na praia} chegar numa ilha de realidade paralela em que ao invés da areia temos uma geleca muito brilhante e escorregadia. Todos os tombos fenomenais que tomei no decorrer da história me muniram de jogo de cintura e traquejo pra evitar quedas similares, o que seria de grande serventia se o chão me fosse familiar.
Tava lá, num desconforto normativo. Estudei, casei, tava atrás de correr atrás do meu, meus amigos e eu estávamos ali curtindo aquela bolha divertida e insatisfeita quando fui inundada pela inadequação da maternidade {num mundo onde aprendi a relacionar minha dignidade} à produtividade {no sentido capitalistão da palavra} tipicamente masculina. Depois fui caçar sarna pra me coçar na Europa, fui chefe de europeu e, por fim, quando tudo ainda estava bem complexo, me separei conscientemente de um casamento bom.
Pronto. Agora é só atravessar esse inferno aqui.
Só que na travessia eu adoeci. E hoje, gente, qualquer uma dessas fases, dessas versões, desses papéis que vivi até aqui me parecem causos sobre um personagem simpático. Não no sentido de falta de autenticidade, mas simplesmente por não me reconhecer. Não me entendam mal {se é que realmente tento me fazer entender} eu pus minha energia honesta, criteriosa e corajosa em cada um dos meus passos, e minha gratidão pelos resultados é a única coisa que faz aquele urso ir brincar em outro quintal.
Honestamente, com tanta coisa que sinto e que tento perceber – única e exclusivamente devido a uma rasteira de um víru que me fez cair de cara no asfalto- comecei a repetir muito a frase “eu não estava prestando atenção”, porque realmente me faltava o acesso a camadas da minha pele pra dentro. Minha existência era a relação com os outros e com o mundo. Nunca me esqueço quando do mais fundo do poço eu li na rede de imagens ‘você prioriza muitas coisas até perder a saúde’. Indeed.
Há um ano eu fui internada {pela terceira vez naquele ano, pois tive pressa de resolver isso e voltar a secar esse gelo} para investigar doenças auto imunes e reumatológicas, porém tive lá um dos ataques de enxaqueca mais horrorosos da história e alguns ataques de xenofobia que deram quase tanto quanto. Sobre os exames não houve nenhuma conclusão. Naquele fim de semana eu saquei durante uma rotina da manhã qual era a base do problema que não me deixava enxergar com clareza há 8 meses. Sozinha, em casa, em estado meditativo. {Ah, a presunção da autoridade…}
Depois disso eu não consegui mais trabalhar… tentei, talvez uns 5 dias, não funcionava. Pra fins comparativos, De fevereiro pra cá tenho menos sintomas e mais leves, e o máximo que já consegui lidar com um computador na minha frente deve ter somado aproximadamente 10 horas por semana. No ano passado eu passei meses sem olhar pra tela… Mas a única coisa que me fez largar o osso do trabalho foi não ser capaz de ler por conta do problema na visão. Eu vinha trabalhando já há 6 meses com dores crônicas e constantes faltas com atestado médico, mas me habituei desde a infecção do covid a checar as coisas duas vezes. No fim eu mais checava do que produzia, e constantemente eu tinha uma sensação de não conseguir resolver um problema num dia quando no outro a resposta aparecia fluido e naturalmente.
Persisti em algo que claramente está blindado por uma resistência, que não parte da situação, mas do próprio corpo. O corpo pede, mas o tempo urge, o corpo insiste, tempo é dinheiro, o corpo grita, é preciso entregar, o corpo para e só resta… cuidar do corpo.
Mais dificil do que fim de relacionamento, dor de dente, mudar de continente, dieta de carboidrato na Itália… a Pausa. Estou há dois anos aceitando a desaceleração e ainda não concebi o conceito do descanso, não entendo como passo meus dias focada em encontrar a pausa, descansar, relaxar e minha agenda tá cheia de coisa.
{E a milenial geriátrica aqui continua no limbo entre os bem aventurados e os desapegados, sem lugar num mundo saturado, onde olho por olho e dente por dente é poesia}
Eu adoraria, meus amigos, dar um fechamento a esse texto, como sempre procuro fazer. Mas a realidade é que as ultimas duas semanas me deram rasteiras e estou aqui tentando observar o progresso apesar dos transtornos. A realidade é que, no momento, mais me parece que os tombos naquela ilha sem areia se tornaram ainda mais frequentes, porém caio com alguma graciosidade e sem medo de perder a vida, seja ela qual for.