Capitulo 8 – aviso de gatilho: pensamentos suicidas
Diagnósticos, diagnósticos. O que é pesonalidade e o que é síndrome? Qual seria o limite entre a doença-tem-que-tratar e a norma?
Na verdade vivemos hoje num tempo onde o diagnóstico é a norma – salvo engano {Deus me livre de ter certeza} ouvi isso de um Psicanalista do qual admiro muito o trabalho, Henrique Vicentini. Quando tive a chance de me apresentar pra ele e um grupo de estudos e mencionei que vinha colecionando diagnósticos desde a infecção da COVID-19 em 2020.
(Houve um tempo que eu achava que ter TDAH era sinal dos tempos. Muita informação, essa internet dando acesso ao tudo e ao máximo das inexistências, procriando pseudiciência e exaurindo o ser humano com o mínimo de pensamento crítico, nos aproximando superficialmente, aumentando as distâncias e diminuindo a auto estima sem regular humildade… Perai, fui longe demais.)
Minhas lembranças de infância são muito específicas e tem muito mais observações dos meus pensamentos do que do ambiente em si. Eu tinha uma necessidade de não errar, então era mais facil ser low profile. O inicio da minha adolescência foi pesado, me lembro de situações muito constrangedoras causadas pelo meu hábito de não me atentar ao que se passava no meu entorno, e fazer coisas sem perceber, tentar ajustar/corrigir e depois tentar suprimir o erro mudando a perspectiva. Daí descobri que podia ser engraçada.
Enquanto minha irmã dizia que eu era “diferentinha” e minha mãe se ofendia mandando ela não falar assim de mim, me tornei uma excelente profissional, {modéstia a parte} pois ajustar, corrigir, mudar a perspectiva é sucesso no Business.
{Aliás, boa parte dos meus sintomas eu transformei em diferenciais, com os devidos métodos (mecanismos de defesa?). Daí chegou a gripezinha, anos depois conhecida por matar sinapses.}
Após vivenciar um declive constante na minha saúde por cerca de 20 meses eu mal conseguia ter consciência do que eu era/sou. Passei o verão de 2022 em Berlim com o mínimo de energia, sem entender boa parte do que se passava ao meu redor, exausta e sem capacidade de interpretação ou analítica. A minha terapeuta, na ocasião, me perguntava se eu conseguia meditar, e eu tinha dificuldade de explicar pra ela como não conseguia pensar. O pouco que acontecia na minha cabeça estava na ordem da urgência.
O famigerado fundo do poço: eu entendi que precisava baixar a pressão e a resistência, mas assim acabei encontrando escuridão (o urso). O último episódio depressivo que tive antes da Covid me deixava a grosso modo em dois estados: gritando ou dormindo. Dessa vez, porém, com a fadiga, eu estava quase sempre dormindo, sempre confusa e não me via capaz de assumir nenhuma responsabilidade. Tive dias em que não conseguia sair de casa, com medo de entrar em colapso. Passava dias sentindo uma tristeza profunda, outros dias não sentia coisa alguma. Foi mais ou menos aí que eu comecei a pesquisar sobre suicídio assistido, e com pouca pesquisa achei melhor conversar com meu médico.
Long story short – eu mudei a perspectiva, mantive os tratamentos alopáticos, aumentamos a dosagem do que foi preciso, e procurei uma amiga querida que é uma deusa da Ayurveda antes de precisar mergulhar em mais remédios. Nos primeiros dias de dieta e massagens eu fiquei três dias sem crises da enxaqueca e as coisas foram mudando. {Manter o movimento, confiar no processo, o que será será, e as coisas são o que são, quando devem ser}
A partir daí fui sentindo diferenças mínimas que aumentavam passinho por passinho minha qualidade de vida. Em setembro de 2022, eu fiz uma viagem que foi bem menos difícil do que outra que fiz em julho – quando me senti “o morto muito louco”. Daí em outubro eu percebi que passei mais tempo de pé do que deitada (esse foi meu grande e celebrado avanço), porém as crises ainda estavam na faixa de 20 dias por mês, o que me permitiu começar o tratamento pra enxaqueca com anticorpos monoclonais pelo plano de saúde.
No início de novembro tomei a primeira injeção deste tratamento, e a partir daí a minha saúde passou a fazer avanços menos sutis. Fui capaz de buscar ajuda psicológica e emocional, falar ao telefone, elaborar um cronograma (que ainda não foi executado, mas oxalá, jajá será), fazer planos que me trariam alguma sede de vida {miaguarde Brasil!}. Passei a fazer algumas caminhadas, já que os esportes que me agradam mesmo eu ainda não consigo fazer.
Na sequência, entre um baque e outro (fui demitida, falaremos sobre), que fui até a Clínica-Dia do ladicasa tentar entender se eles poderiam me ajudar. Coloquei meu nome numa lista de espera e me ligaram em Janeiro. Fiz uma reunião que foi um tipo de triagem pra ver se meu caso era algo que encaixaria no programa da clínica. Eles trabalham com questões psicossomáticas e psiquiátricas e o veredicto foi que SIM, eles poderiam me ajudar.
Entrei em Fevereiro com previsão de um tratamento de 8 semanas. Na segunda semana era ‘dia de Visita’ e pra minha surpresa era a junta médica e os terapeutas sentados em semi círculo pra conversar com o paciente, um por um, sobre o seu caso. Eu entrei naquela sala e senti acolhimento – depois descobri que vários colegas se sentem intimidados e detestam, eu amei. Contei um pouco da minha história e das minhas frustrações, falei sobre a incapacidade que a enxaqueca me causava e explicava que só consegui chegar ali depois de 1 ano e 5 meses – quando 5 tratamentos alopáticos ineficazes foram testatos e toda uma vida adaptada… e na sexta tentativa finalmente consegui alguma autonomia.
{Um beijinho no ombro aqui porque a médica chefe disse que meu alemão era surpreendentemente bom e me disse que eles me ajudariam a voltar pro mercado quando for o momento certo}
Foi nessa clinica, que eu tive o diagnóstico do TDAH positivo e tomamos juntos a decisão de iniciar a medicação. Com três dias de medicação eu entrei no mercado e fiz a compra mais fácil e rápida da vida. Cheguei no caixa e fui olhar a lista, eu tinha pegado tudo. Eu fiquei confusa porque… gente, não é possível! até outro dia eu tava com dificuldade de lembrar dois itens ou escrevia sete itens sendo que dois eram o mesmo, sem perceber. E, pasmem, na segunda semana da medicação eu fiquei *cinco dias* sem ataques – pela primeira vez desde 2021. Ajustamos um outro detalhe e {boom! do nada} eu tive um dia inteiro bastante ativo, sem dor, consegui me livrar de um monte de papel que eu vinha carregando sem entender o que fazer com eles – e dei mais risada do que os seis primeiros meses do ano passado.
Não pensem que eu parei de me perder em uma atividade que na verdade eu enfiei no meio de uma outra, que passei a ter noção do tempo, que minhas palavras ditas têm acurácia e se mantém no idioma pertencente ao momento. Ou que consigo comecar a fazer o almoço e terminar com a receita que era a intenção quando comecei. Não estou tentando tirar meu charme resolver enfiar o funcionamento do meu cérebro na normatividade, e não tem que ser. A questão aqui, no momento, é voltar a ter autonomia depois de uma fase que, além de não ter a noção do tempo eu tinha dificuldade em ler o relógio, assimilar informações básicas ou me lembrar qual era o assunto do qual eu ativamente estava falando após um gole de água ou um latido do cachorro.
A gripezinha, amigos… Ela fez meu sistema nervoso entrar em colapso. E meu cérebro, que já era familiarizado com a enxaqueca, se manteve no ritmo de descarga necessário. A trégua de 5 dias ainda não se repetiu, mas entre o vazio e a(s) tristeza(s) eu venho tendo momentos leves e me familiarizo novamente com meus pensamentos. Às vezes parece que minha cabeça foi lentamente, no curso de um ano pifando mas retomou a atividade no instante que recebeu a ajuda que precisava.
Há um ano eu estava exausta em Kiel, comecando a escrever esse diário, e postei no Instagram que o grande tesouro da vida é a paciência. Ainda preciso esperançar muito… espero que com a dádiva dos últimos avanços façam a espera mais leve e tranquila.
(pêndulo)