Diários da dor Invisível – Capítulo 1 – Enxaqueca em terras germânicas

Capítulo 1

Comecei a reler A Hora da Estrela da Clarice Lispector – que nunca terminei de ler como outros trocentos da minha lista. Enquanto me prendo nas palavras do sádico e confuso narrador Rodrigo SM, o texto me dói e me causa angústia. Angústia minha, que sou uma versão de Macabéa nas terras germânicas, indo me tratar na esquina com a Dinamarca de uma doença invisível em uma língua que eu, [incompetente, diria Rodrigo] – gaguejo quando tenho crise. Céus, gaguejo em qualquer língua! E enquanto sinto o peito queimar eu me pergunto porque meus alcances de post na rede de ibagens (hshshs) crescem tanto desde que passei a bradar minha literal dor.

Dentro dos meus processos eu entendo que [acho que] busco acolhimento, validação e atenção. Nas idas e vindas de likes e recortes populares com discursos monetizáveis sabe-se também que, pelo menos desde os tempos do coliseu, nós gozamos o sofrer alheio. Nao acuso aqui [quase] ninguém de estar se deliciando com minhas dores, mas sim de sermos uma sociedade ensinada – por auto proteção? – a perceber, focar e usar mais nossa atenção com o que nos impacta negativamente.

Entretanto, enquanto passo meus dias num completo estado de sobrevivência há pelo menos 3 estações, esse compartilhamento de dor me reconectou com amigos que compartilham também a língua, o drama, riem das minhas piadas com nuances inguísticas e entendem toda essa cultura do migs ta foda – outros mais formais. Essa reação está ressoando como um leve semblante do que um dia eu chamei de esperança.

Há dois anos eu me separei e comecou a pandemia. Eu estava vivendo um luto profundo e me reconectando com meu corpo de uma forma quase obsessiva – movimento que comecou como forma de driblar a enxaqueca. Estava trabalhando a minha espiritualidade com amor, entrega, medo e dedicação. Hoje eu sobrevivo. Em alguns dias minha cabeça fica tão atordoada que soluções simples são irreais. Chego a levar quatro tentativas pra passar meu café. Às vezes desisto.

Os médicos (Rodrigos?) perguntam quando me vêem pela primeira vez se algo mudou na minha vida na época que as enxaquecas pioraram. Sim, Rodrigos. Eu migrei, minha gramática foi arrombada pela sua, minhas verdades são batalhadas, sai de um relacionamento de 12 anos, minha irmã se mudou pra cá, adoeceu e voltou, me mudei três vezes, tive 7 chefes em 4 anos, tem pandemia, fui infectada no primeiro round, passei a ter problemas de circulação sanguínea e em questão de semanas minhas enxaquecas enlouqueceram. E tá tendo guerra ali no pais vizinho do país vizinho. Eu tô eliminando detalhes.

Eu tinha uma-duas crises por ano. Agora chego a ter duas por semana e algumas duram uma semana – façam as contas. É tão irreal programar algo que a ansiedade se tornou uma piada inóspita. Já o medo… Tenho medo de me alongar. Tenho medo de me exercitar. Tenho medo da próxima dor e agora um eventual medo de subir escada, que é um gatilho de crises pré instauradas.

E nessa saudade da saúde que eu achava não ter eu resolvi fazer um apanhado da minha vivência aqui – por motivos médicos, para facilitar a memória que me falha drasticamente nos ultimos tempos e – pasmem – em busca de acolhimento, validação e atenção.

Amanhã entro no Hospital de dor de cabeça crônica e enxaqueca de Kiel. Mais longe que Goiás. Me desejem sorte: a otimista inveterada que vos escreve perdeu esse dom em algum lugar do passado. Há de voltar. Se ainda houver mundo. 

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1 Comment

  1. Eu sei que você é forte!, muito forte, mas eu te desejo ainda mais força, pra superar esses dias de tratamento, além de muito boa sorte!
    Tá amo!
    Saudades de você!

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