Autoria e Atuação – Parte 1/2

Sobre credibilidade, verdade da alma e autocuidado

Qual a responsabilidade que tenho com o que escrevo? Porque escrevo sobre mim sob o rótulo de auto ficção, registrando fielmente a alma da minha percepção, enquanto circulam por aí os maiores absurdos, ornamentados com exclamações vermelhas que são tomados como reais? Escrevo palavras da alma que colho como forma de auto cuidado, publico como um meio de validação e mantenho com esperança de conexão. Mas e quando a autora tende a se descredibilizar?

Autores com qualquer nota que lhes dê presuncão de autoridade, ou por qualquer questão étnica, etária, acadêmica ou monetária podem ter mais notoriedade mesmo sem a menor credibilidade. Mas se algo se repete por milhares de vezes vira “verdade” – vide ‘mamadeira de piroca’. Pelas minhas pesquisas e, infelizmente, por vivência, alguns motivos pelo qual um autor pode não ter credibilidade, com ou sem intenção: falta de método, seguir uma linha obsoleta ou fazer uso de recortes aleatórios pra construir uma narrativa fantasiosa – o último podendo ser causado por mau caratismo ou quadros psiquiátricos. Sad but true.

Eu como mulher, com experiência prática e autodidática infinitamente maior do que acadêmica, com tendências subversivas e diagnóstico neurológico psiquiátrico {e quem não tem deve não estar prestando atencão!} passei a ter dificuldade com a minha própria escrita. É aquele esquema: como qualquer outra forma de texto, o meu blog tem o meu viés, minha agenda. Faco exatamente um exercício de organizar o que vem de dentro da cachola, então porque diabos eu tenho que me esforcar pra me despir desse vira lata?

{enquanto isso lado a anticiência tem renomes e batendo em teclas vazias e quando menos se espera minha hermana posta um trecho do 0l4vo dando dados fantasiosos pra inferiorizar *qualquer-pessoa-que-não-seja-o-interlocutor/espectador*. O horror da comunicóloga em camadas sádicas}

Retomei esse blog depois de um longo bloqueio criativo, que começou com um burnout e terminou com uma inegável necessidade. Eu precisei me expressar, colocar em frente aos meus olhos {com cautela, curiosidade, responsabilidade e afeto} quais eram os sentimentos que meus pensamentos escondiam. O que existia no meu peito por debaixo daquela vergonha – em 2020! – flutuando na minha cabeça? Inadequada, errada, derrotada? Não parece minha história quando tento um olhar geral, então porque o sentimento?

Meus textos só começaram a reaparecer quando aceitei que não é possível saber ao certo o que nos leva a nos encontrar e nos divergir das pessoas que passam pelo nosso caminho, e que a grande sacada é estar a par da própria verdade. As consequentes relacoes são secundárias. O que pode ser possível e passível é trabalhar o que nos aproxima nós mesmos, da nossa autenticidade. E, no meu caso, o grande catalisador da busca por mim {pra me conhecer, acolher e amar} foi ter me perdido por completo na maternidade. Eu estava conhecendo a miúda e querendo dar pra essa filha maneiríssima uma mãe inteira – que até então eu mal sabia quem era. Dá um medo surreal olhar pro breu do lado de dentro da gente, mas é cada vez mais pacífico e gratificante.

Não me busquei pela escrita, mas encontrei muito de mim nas sequências de palavras. Escrevo o que percebo, da forma caótica que vejo, com as analogias que crio e os enigmas que minha mente traz; o processo me encanta e diverte. {sonoridade, ritmo, poesia, correlações e confusões}. Traduzo de dentro pra fora e dali pra ponta dos dedos. Às vezes flui, às vezes vira um quebra-cabeça. Deus me livre escrever o que não quis dizer – e assim me permito 2, 4, 20 revisões, e depois assumir que ficou obsoleto. Afinal de contas, a grande armadilha de se estar do lado certo da história é saber que os facistas pensam o mesmo, e a ciência se desenvolve deixando nossas atuais verdades pra trás.

Doeu aí também? (continua aqui)

Auto crítica tóxica num mundo canalha
Continue Reading

Capítulo 5 – Diários da dor Invisível e outros intemperes

Capítulo 5

Essa semana mencionei em um dos meus encontros meu pleno, constante e intenso cansaço. Tenho evitado reclamar, pois quem não está cansado? A exaustão é tema recorrente em todo o mundo desde o início da pandemia há quase três anos; um tipo de pandemia secundária. E eu me pergunto se estou cansada da maternidade, da migração, do trabalho em línguas que aprendi depois dos 30, da separação, da pandemia ou da própria enxaqueca. A resposta é isso tudo somado ao ano de 2020 que já caminha para sua versão 3.0. 

A realidade é que a doença que desmoronou minha vida no último ano está dando sinais de trégua. Recapitulando; em junho de 2021 achei que fosse uma fase de crises de enxaqueca frequentes, como outras que já me eram conhecidas, na sequência me acostumei e me perdi com tanta dor e medicação, já não tinha clareza da situação. Quando novos sintomas surgiram comecei a ver especialistas para descartar outros problemas. Foi então, no atendimento ambulatorial do hospital universitário Charité, que me sugeriram preencher um diário da dor. Assim minha percepção de que tinha 2-3 crises por semana se transformou no registro oficial de +20 dias com dor mensais. Em março de 2022 fui pra clínica de dor em Kiel – e de lá fiz alguns registros no blog. No começo de abril eu saí de lá com dois novos tratamentos e cheia de esperança. 

Vida nova! Viajei com minha filhota para Londres e tivemos uma semana maravilhosa, com exceção de duas crises e alguns episódios de confusão mental que me geraram algum prejuízo em libras. Tudo bem. Processos. No mês de maio percebi a piora da minha visão e – talvez pelo estresse da situação – o quadro todo piorou. No mês de junho eu peguei uma licença médica na esperança de melhorar em julho. Em julho cheguei a ter 12 ataques em 7 dias, foi o pior de todos os meses, achei que em outubro estaria melhor. 

O sorriso amarelo depois de perceber que a chave de casa tinha ficado no outro extremo da cidade

E assim fui postergando o prazo que minha mente dava pro meu corpo melhorar, mês após mês, até entender que não sou eu quem imponho o tempo. A ansiedade melhorou, os sintomas também e, com ajuda de novos hábitos e aparelhos caríssimos (além de muito apoio, cuidado e paciência de amigos, namorado, mãe, filha e ex marido), fui conquistando a conta-gotas pequenos avanços… e junto a isso um acúmulo de cansaço e desesperança que me demanda uma baita energia pra manter o ritmo. Entre meditações, exercícios de desapego, gerenciamento de emoções, terapia, fisioterapia, massagem, escrita, estudos e muito mais a conta ainda não fecha. Existir me cansa, continuo exausta.

Eis que, em novembro, no terceiro atendimento ambulatorial no Charité eu chorei as pitangas assim como descrevi ali. Imediatamente me colocaram em tratamento com anticorpos monoclonais, uma medicação chamada Emgality que {como num passe de mágica ultra-tecnológico} fez meus sintomas ficarem mais espaçados, as crises mais raras e menos intensas. Foram apenas 16 dias com dor em novembro, sendo que os piores dias não me paralisaram e a fotofobia melhorou tanto que consegui sair sem óculos um par de vezes – pela primeira vez desde junho! E eu, com alguns esforços focados, ri muito, fiz muitas piadas, perdi menos compromissos e sai algumas vezes com a intenção de me divertir – com sucesso.

Por isso, há semanas eu vinha prometendo que escreveria sobre a melhora do meu quadro de enxaqueca, e embora eu tenha pensado em meia dúzia de ganchos e trocadilhos que me renderiam bons textos, continuei sem atitude. O último mês me deu ânimo para planejar coisas, olhar algumas outras e perceber com clareza o quanto eu estive mais debilitada do que conseguia vislumbrar. Executar tarefas simples e retomar atividades continua sendo um desafio que me consome. Preciso constantemente me lembrar que as falhas fazem parte do processo e que devo agir com compaixão por mim e, ao mesmo tempo, pelos que estão ao meu redor. 

Foi preciso esse vírus duzinfa me acometer de novo pra eu resolver retomar a escrita. Sim, porque dois anos depois de ser infectada pelo vírus que desencadeou uma reviravolta extra na minha vida, após 3 vacinas eu adoeci e testei positivo para COVID-19. Dessa vez o pavor não me atacou. Quando alguém passa por tanto em tão pouco tempo termina-se por ter atitudes e reações diferentes. Talvez porque com as vacinas e mutacoes os sintomas foram menos intensos, talvez porque eu pense menos, reajo menos e respondo aos estímulos de outra forma. Talvez porque meus hábitos mudaram e hoje tento retomar a confiança no meu próprio corpo – pois eu confio na força do universo que o criou.

O meu teste de COVID já negativou, no meio tempo o da 8 anos, devidamente vacinada, positivou. E vai passar também.

No momento não tenho nenhum prazo para “voltar a ativa”, mas sim um prazo bem longo para que eu possa voltar a analisar minhas capacidades com clareza. Até lá, vivo desacelerando os pensamentos, agradecendo pelo que já passou, aceitando “o que tá teno” e honrando as bênçãos que recebo. Passo por passo mesmo sem saber o que vem pela frente e nem como vou chegar.

Continue Reading

Setênio 6 ano 3 – E Paz?

Tava buscando uma paz que eu jamais (nunca nunquinha) tive. Não consegui. Talvez porque ao sair da caixinha que aprendi a viver, sem querer, arrastei comigo um saco de culpa e com ela a dor de um luto; e os dois juntos pesavam aproximadamente 3 galáxias.

Dou minha palavra. Fui quem escalou com as unhas (e dentes?) o interior de uma garrafa de vidro opaco enquanto chorava um pranto tão tenro (cheio, tanto, farto, falho) que, por fim, puxar aquele saco (haha) teve uma mãozinha da densidade salvada (salgada, apegada, sentida, magoada, frustrada) daquele líquido. Lágrimas arrancadas de um ego em desconstrução, a lamúria do desconforto causado por um enredo improvisado ao invés do planejado.

A garrafa onde eu vivi foi se enchendo de lágrimas e eu fui ficando pequena, perdida, pesada, palavra. Imergi com muito esforço e vi por cima do gargalo um mundo que ninguém me apresentou. Seria ali minha nova morada. Normalizei o sentimento de medo, associando-o não ao perigo, mas ao mero desconhecido. (Coragem não é falta do medo)

Hoje eu sigo a filosofia da encruzilhada: minha alegria contém dor e minha tristeza se sustenta por graças. E não acabou: à medida que me permiti me acolher e me ouvir, meu corpo adoeceu e perdi o fio da meada. Onde ansiei por um galope num viçoso campo aberto tive uma sequência de quedas e tropeços (trancos e barrancos) por um caminho tortuoso, exaustivo, escorregadio e sintuoso.

Me entendo no quarto (vago, fraco, leve, vil) renascimento. A maternidade me desfez, migrar me oprimiu, separar me estilhaçou, adoecer me murchou. Mas nada disso me reprimiu: há uma alma que une o pó do que restou, e ela brilha, cresce, sente, chora e ri enquanto o ego se atrapalha. Parece que a alminha falou mais alto e, no momento, paramos de esperar e passamos a viver.

Ora, o ontem não me pertence, o amanhã me decepcionou tanto e tão repetidas vezes que o deixei. Sobrou o agora, que oscila entre brando, leve, bobo, triste, exausto ou dolorido, mas vejam só: ele sempre se vai, se esvai, se finda; já a alma fica.

Essa semana completo meus 39 anos. O branco da paz eu só vejo em sonhos. Venho aprendendo a desacelerar cada dia mais, olhar o caminho com compaixão, honrar a jornada com orgulho e arriscar saltinhos dançantes entre um e outro passo cambaleantes.

Civi na metade do sexto setênio sem paz, porém mais calma que nunca

Continue Reading

Capítulo 3 – (Des)necessários Devaneios, Desatinos e Desapegos sobre

Capítulo 3

Eu tive minha primeira crise de enxaqueca aos 19 anos, às vésperas de uma mudancinha de rotina – meu então namorado ia se mudar pra outro continente em um par de dias. Também estávamos no verão do Rio de Janeiro, fazia muito calor e de repente o tempo fechou e bateu um vento muito frio. Quase duas décadas depois eu sei que mudanças bruscas de temperatura e pressão podem ser gatilhos para os ataques.

Anos se passaram. Me lembro de crises repentinas nas quais não conseguia me comunicar, não entendia o que me diziam e não conseguia falar. Uma média de duas crises por ano, costumava dizer. Por vezes nenhuma no ano. Em 2016 mudei pra Alemanha e após 2 anos tive algumas crises em um mês – o que já tinha acontecido outras duas vezes no Brasil, sempre e momentos de muito estresse. Em 2018 eu tive dois (!!) burnouts. [Ou não cheguei a me recuperar totalmente do primeiro.]

Eu venho de um país e – mais especificamente de um estado que ultravaloriza o sofrimento e a culpa como moedas de troca para o sucesso. O mito da meritocracia ecoa forte, o “temor divino” limita potencial criativo. E eu, que cresci andando na linha, ainda passo meus dias permeada por uma culpa que se enraizou em mim e se exacerbou na maternidade – sigo procurando meios de me desculpar e compensar os erros que sequer cometi.

Somem isso ao viralatismo que aprendemos como filhos de um país colonizado, o jeitinho fofo mineiro ‘desculpa qualquer coisa’ vivendo aqui no “berço da cultura”. Porquê as aspas? Ora, a cultura só é ‘classica’ porque os detentores da mesma literalmente destruíram, roubaram e apagaram Maias, Incas e outros incontáveis povos originários – e continuam abafando essas e outras centenas de culturas milenares.

Volta pro meu recorte pessoal aqui. Eu falo algo na reunião do trabalho. A pessoa do meu lado fala a mesma coisa em nem-tão-rebuscado alemão, mas outra construção frasal, com partículas e sufixos que eu não-nativa não sei usar. Na próxima vez entro muda e saio calada – e foi assim por 18 meses. A migração te despe dos privilégios que você aprendeu a ter. Aqui eu sou mais uma imigrante latino-americana com sotaque. Bem sucedida, sim. Com um esforço 3x superior ao colega do lado? Claramente. Isso foi só um dos inúmeros motivos pelos quais – surprise surprise – a cabecinha pifou.

Amo Berlim e me dou ao luxo de torcer o nariz pra detalhes do choque cultural que antes apenas me admiravam. Seria o virote louco da minha enxaqueca de episódica pra crônica um produto do desencanto? A tristeza do apagamento da leonina? O cansaço de bradar que quem é do lado de lá merece ter a dignidade que se tem aqui? A frustração em ver que a colega que tá na vaga que sonhei ficou pasma com a qualidade do meu trabalho? Será minha dor um reflexo da ferida colonial? Ou foi o Covid? :)

O estresse faz parte da vida de todo mundo. Como lidar com ele é que são elas. No momento eu estou inundada na frustracão do recomeço diario da vida que quis e não sonhei – ou sonhei só que não quis. No dado momento trocaram meu tratamento profilático da enxaqueca pela segunda vez em menos de 60 dias – a última por complicações causadas por Long Covid. Estou num hospital de [ponta] cabeça (hehe) e passei 3 dias na iminência de transferência por conta de uma doença que me ataca os pés. A multidisciplinaridade tem limtes. Todos temos. [Eu tô aprendendo a me posicionar sobre os meus.]

Um dia ouvi que o contrário da vida é o desencanto. Hei de criar pausas e espaço pra caber encanto e beleza. E como eu costumo dizer após minhas orações da manhã: Que meu coração esteja livre de angústia e medo e cheio de coragem e amor. Está feito, está feito, está feito, está feito.

E que venha a Primavera daqui, e com ela o renascimento da Deusa e novos caminhos. Feliz equinócio.

PS: Vai lá assistir a Ritinha.

Continue Reading