Capítulo 3 – (Des)necessários Devaneios, Desatinos e Desapegos sobre

Capítulo 3

Eu tive minha primeira crise de enxaqueca aos 19 anos, às vésperas de uma mudancinha de rotina – meu então namorado ia se mudar pra outro continente em um par de dias. Também estávamos no verão do Rio de Janeiro, fazia muito calor e de repente o tempo fechou e bateu um vento muito frio. Quase duas décadas depois eu sei que mudanças bruscas de temperatura e pressão podem ser gatilhos para os ataques.

Anos se passaram. Me lembro de crises repentinas nas quais não conseguia me comunicar, não entendia o que me diziam e não conseguia falar. Uma média de duas crises por ano, costumava dizer. Por vezes nenhuma no ano. Em 2016 mudei pra Alemanha e após 2 anos tive algumas crises em um mês – o que já tinha acontecido outras duas vezes no Brasil, sempre e momentos de muito estresse. Em 2018 eu tive dois (!!) burnouts. [Ou não cheguei a me recuperar totalmente do primeiro.]

Eu venho de um país e – mais especificamente de um estado que ultravaloriza o sofrimento e a culpa como moedas de troca para o sucesso. O mito da meritocracia ecoa forte, o “temor divino” limita potencial criativo. E eu, que cresci andando na linha, ainda passo meus dias permeada por uma culpa que se enraizou em mim e se exacerbou na maternidade – sigo procurando meios de me desculpar e compensar os erros que sequer cometi.

Somem isso ao viralatismo que aprendemos como filhos de um país colonizado, o jeitinho fofo mineiro ‘desculpa qualquer coisa’ vivendo aqui no “berço da cultura”. Porquê as aspas? Ora, a cultura só é ‘classica’ porque os detentores da mesma literalmente destruíram, roubaram e apagaram Maias, Incas e outros incontáveis povos originários – e continuam abafando essas e outras centenas de culturas milenares.

Volta pro meu recorte pessoal aqui. Eu falo algo na reunião do trabalho. A pessoa do meu lado fala a mesma coisa em nem-tão-rebuscado alemão, mas outra construção frasal, com partículas e sufixos que eu não-nativa não sei usar. Na próxima vez entro muda e saio calada – e foi assim por 18 meses. A migração te despe dos privilégios que você aprendeu a ter. Aqui eu sou mais uma imigrante latino-americana com sotaque. Bem sucedida, sim. Com um esforço 3x superior ao colega do lado? Claramente. Isso foi só um dos inúmeros motivos pelos quais – surprise surprise – a cabecinha pifou.

Amo Berlim e me dou ao luxo de torcer o nariz pra detalhes do choque cultural que antes apenas me admiravam. Seria o virote louco da minha enxaqueca de episódica pra crônica um produto do desencanto? A tristeza do apagamento da leonina? O cansaço de bradar que quem é do lado de lá merece ter a dignidade que se tem aqui? A frustração em ver que a colega que tá na vaga que sonhei ficou pasma com a qualidade do meu trabalho? Será minha dor um reflexo da ferida colonial? Ou foi o Covid? :)

O estresse faz parte da vida de todo mundo. Como lidar com ele é que são elas. No momento eu estou inundada na frustracão do recomeço diario da vida que quis e não sonhei – ou sonhei só que não quis. No dado momento trocaram meu tratamento profilático da enxaqueca pela segunda vez em menos de 60 dias – a última por complicações causadas por Long Covid. Estou num hospital de [ponta] cabeça (hehe) e passei 3 dias na iminência de transferência por conta de uma doença que me ataca os pés. A multidisciplinaridade tem limtes. Todos temos. [Eu tô aprendendo a me posicionar sobre os meus.]

Um dia ouvi que o contrário da vida é o desencanto. Hei de criar pausas e espaço pra caber encanto e beleza. E como eu costumo dizer após minhas orações da manhã: Que meu coração esteja livre de angústia e medo e cheio de coragem e amor. Está feito, está feito, está feito, está feito.

E que venha a Primavera daqui, e com ela o renascimento da Deusa e novos caminhos. Feliz equinócio.

PS: Vai lá assistir a Ritinha.

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Sobre relações sociais

Hoje cedo pipocou pra mim alguns trechos do Zuckerberg falando ontem sobre os escândalos do Facebook no congresso americano.
O que me impressiona nessa história é perceber como a gente se acostumou e aprendeu que o Facebook é mandatório pra moldar sua imagem na vida – como se o fato de se preocupar com sua imagem perante a sociedade já não fosse polêmico o suficiente, hshs. E o entendimento das nossas relações sociais passou a ter um único dono, que é o presidente executivo da empresa que gerencia nossas fontes de contato. É, no mínimo, muito estranho.

A ferramenta deixou de ser uma brincadeira com os amigos (eu entrei jogando Mafia Wars e outros joguinhos pra compensar a falta de um Nintendo na vida) e virou meio de vida, moldou minha área de formação e a profissão de muita gente. Eu parei de jogar, aprendi a compartilhar onde eu tava, o que eu penso, de quem eu gosto e o que eu como. Enquanto isso eu vi namoro balançado porque a pessoa não quis linkar o parceiro no perfil, já vi gente que soube do término da relação porque esse link sumiu, já vi gente brigando por ter lido nas entrelinhas do post alheio uma crítica que podia nem ser real, gente que se desdobra pra ter as mais belas imagens da vida pra ganhar curtidas e fica por conseguinte enlouquecido com o colecionamento desses cliques. Não estou falando de empresas.

Eu venho usando o Facebook cada vez menos, não saio porque tenho uma resposta muito positiva nos grupos que participo e eventualmente vou contar as perolinhas da minha pimpolha, mas essa página me dá muito mais desgosto do que prazer, e no desuso eu acabo ganhando. (app de grupos, sdds) Também tenho tentado dosar meus acessos, mantendo-os em determinados horários do dia, de preferência longe da Luiza – já que aquele feed não tem fim e a gente acaba se perdendo em quanto tempo estamos perdendo.

Aprendemos a nos conectar nos distanciando fisicamente, afinal sabemos da vida de todo mundo – ou das pessoas que o algorítimo nos permite ver – superficialmente; então o tomar um café ou ligar pra saber como estão perde o porquê. e existe toda uma geração moldada com essa base social calcada no virtual, não ha como voltar atrás – se é que isso seria vantajoso. O que noto é que a gente perde o tempo de cuidar das nossas vidas consumindo informação superficial com leads sensacionalistas (falsos ou não) enquanto rodamos esse feed com design viciante e salvamos trocentos links maneiríssimos que nunca iremos abrir, porque afinal temos uma vida pra cuidar. Ad infinitum.

Não creio que seja segregando que se desenvolve empatia, não sei se os debates políticos nos levam a algum lugar diferente do asco e do rancor, ou as pessoas não estariam se informando melhor caso fossem vítimas estivessem à mercê exclusivamente dos grandes meios de comunicação do Brasil.

Eu não sei sobre vocês, mas no meu feed só aparece gente anti-homofóbica, com consciência ecológica e que odeia qualquer linha de fascismo. Uma pena que na verdade o que lemos no Facebook está longe de ser a realidade popular.

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Marielle Presente

Eu adoraria ter conseguido falar sobre o que senti ontem com a notícia da execução de Marielle Franco. Não falei, só chorei.
Eu adoraria dizer que tenho esperança. Eu queria conseguir explicar pra minha filha a razão da minha tristeza e dos meus choros pontuais. Como eu queria ter vindo morar fora só pra realizar um sonho e não pra fugir do medo diário, do desgaste de energia, da desesperança de estabilidade e de um abismo social longe de ser tratado. Da educação elitizada – que perde muito de seu propósito e seu valor, na minha opinião.
A execução covarde de uma vereadora defensora dos direitos humanos, da vida humana, que dava voz a gente que merece ser ouvida me dilacera por dentro. Representatividade importa. Ela o fez com a coragem que se deve ter quando se ocupa tal espaço.
“Preto, mulherzinha, viadagem, macumbeiro, favelado”. Inferiorizados e calados.
Me intriga. Me dá asco a ousadia, covardia dessa gente branca, ultrapassada, ignorante que não sabe que o preconceito os faz muito menos humanos do que qualquer dos marginalizados por eles próprios.
A dor me toma conta diante de tudo que leio. O horror em ver tanta gente atordoada, eu sem saber como reagir, a vontade de gritar e pedir perdão por todos, por tudo.
Não tenho mote, não consigo formular muito… não tem graça, não tem início meio e fim. Hoje meu post é um mero desabafo: desconcertado, abafado e triste. Deus nos proteja…

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Planejamento ou fome

Tava ontem falando pra Claudia Ramos que, nesse primeiro ano de Berlim, a minha única reclamação era o breu. Os dias estão ficando rapidamente mais curtos e daqui a pouco a gente tem menos de 7 horas corridas de luz do sol. Mas a vida é cíclica, o outono acaba e o inverno chega aumentando os dias pouco a pouco… uma coisa linda de se ver e de se aceitar. Aprendizado, superação, sascoisatudo.
Daí hoje é domingo. Praticamente nada no comércio abre (com excessão de restaurantes ou pontos longe-da-minha-casa que tem mercado caso haja uma emergência). E eu não tenho mais polvilho e tô louca de saudade do pão de queijo que acabou essa semana.
Na Alemanha ou você aprende a se planejar ou você aprende a se planejar.
Bom dia.

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Um pedido

No dia do atentado em Berlim estávamos voltando de um supermercado quando soubemos do episódio. Rapidamente entrei no Facebook e vi algumas pessoas que já tinham feito contato preocupados com a gente, mas vi também uma ferramenta fofa pra você se marcar “a salvo”, e assim o fiz. Aos poucos, todo mundo que tenho contato aqui foi fazendo o mesmo.

O local dessa tragédia é a uma estacao da que estive naquela tarde pra ir pro curso de alemão. Dá pra ver um lugar a partir do outro. É bem perto de casa, mas nâo é na minha esquina. E nós só passamos por lá uma única vez, ainda de férias, no verão.

Surgiu na minha cabeça aquela sensação de estar com o perigo por perto, mas eu resgatei a segurança que sinto diariamente caminhando pelas ruas por aqui – coisa eu evitava fazer desde que me mudei pra Brasília em 1998, quando soube de um assassinato de um garoto na quadra vizinha à luz do dia.

Passado o susto, passada a sensação de terror e a lembrança de que há muitas outras vítimas inocentes ao redor do mundo, comecei a fazer orações pelas almas e seus familiares. E, além disso, fui contemplada com a sensação de gratidão. Pela minha vida, pela saúde da minha família, pelo livre arbítrio e por todas as decisões que nos trouxeram até aqui. E, principalmente, pelo entendimento do privilégio que é poder estar onde estamos e tentar fazer algo bonito com isso.

2016 ainda não acabou… tem sido um ano desafiador. Em 2017 que tenhamos sabedoria, empatia, amor e humildade em doses cavalares. E que não nos deixemos rotular, generalizar, odiar ou desistir.

Sejamos fortes.

Paz.

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Pazes

Eu passei por um breve período com uma relação intensa de ódio pelo blog. Na verdade pelo serviço de hospedagem. Na verdade pela minha falta de habilidade em lidar com serviços de hospedagem. Mas a verdade MESMO era por causa da alta do dólar, que acabou com meu poder de compra internacional, mesmo que os valores sejam ínfimos – na moeda deles.
Eu amo meus registros, e amo escrever aqui. Me organiza as idéias, me faz digerir o que preciso entender e me faz ver que cresci.
Obrigada aos amigos que me ajudaram a nacionalizar meu blog e desculpa pelo analfabetismo virtual.

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Padrão

No banco as senhas de câmbio não tem “versão” preferencial. Pego uma preferencial geral, que tem outros 6 números na minha frente, nenhum deles pra câmbio. Resultado, levo mais tempo pra ser atendida na P do que pela senha comum.

Highlights: a atendente fofa do câmbio que disse que não podia me atender porque “ta cheio de preferencial que chegou primeiro” e o filtro com água no segundo andar, porém sem copos disponíveis que não sejam aqueles descartáveis de café, pra tomar um golinho de cada vez.

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Maldito plano físico

Sabe aquele machucado que você puxa a pelinha e faz um rombo muito maior? É a prova bruta da minha cabeça dura. Arrependimento, dor e gastura me tirando o sono.

Se fosse uma questão intelectual eu não teria repetido o mesmíssimo erro pela centésima vez aos 30 anos.

Aff… Um dia eu aprendo :(

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Tem medo?

Há alguns meses estive no Rio de Janeiro com amigos, e me surpreendi ao me ver tranquilamente indo/voltando do apartamento para o barzinho a noite, a pé.

Não me recordo da última vez que caminhei pelas ruas de Brasília após as 20h00. Definitivamente faz mais de 10 anos. Por um senso de auto preservação, declarei meu próprio toque de recolher.

Acho que me antecipei. O ano de 2014 está me chocando diariamente, com notícias de assaltos, tiros, sequestros, violência aleatória.

Ontem tive o desprazer de assistir ao noticiário local. Um vídeo mostrava um assaltante sendo pego após um furto em um ônibus. Foram necessários 3 policiais e um transeunte pra conseguirem algemar o bandido que se debatia e agredia os policiais, reagindo à prisão. O EXTREMO DESPREPARO dos policiais é gritante! A arma do policial chega a cair no chão! Uma cena digna de uma comédia policial.

Já era sabido que o DF tem as regiões mais violentas do país. E me incomodava o fato da nossa Bras-ilha estar alheia à isso, na nossa bolha imaginária do Plano Piloto. E a bolha estourou.

Eu não sei sobre vocês, mas eu não tenho a intenção de passar os próximos anos vendo esse cerco se fechar cada vez mais, e tendo que engolir o caos dessa polícia – para a qual eu precisarei de um outro post pra comentar.

eu quis

E vai melhorar? Além da trapapolícia, vai vendo como estão sendo tratadas as crianças e adolescentes por aí…

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