Muito mais que DNA – O que me forma?

No emaranhado de sensações que os últimos dias me trouxeram, resolvi finalmente iniciar um projeto pessoal que me ajuda a elaborar meus sentimentos e relembrar minha resiliência. Guardo pra mim uma infindável lista de situações pessoais que um dia me geraram angústia, e hoje em dia não mais. E pensando na praxis dos meus ideais, resolvi agir de acordo com o que julgo coerente e organizar pensamentos com palavas; praticar a escrita curativa.

Atualmente, mais do que nunca, alguns se deixam enganar por pessoas articuladas pelo simples fato de terem tal dom. Se somamos isto à crença de que ‘respeitar os mais velhos’ é o mesmo que ‘não discordar’ ou ‘não criar conflitos’, temos como resultado: gente inteligente e respeitável caindo no discurso de gente articulada e mal intencionada – vide o episódio do lendário gen. Benjamin Arrola (haha).

Uma das pessoas mais articuladas que conheço, por exemplo, não passa muito tempo no mesmo círculo social. Um padrão de comportamento perceptível é escalar situações conflituosas usando detalhes improváveis para que no fim das contas esta pessoa possa se afastar com a *honra* de ser vítima. Convenhamos que a regra é clara: se alguém nunca erra no jogo da vida é sinal de que não está jogando certo.

Sinto muito pelos que caem na armadilha estética do texto, porém sinto ainda mais pelo autor que acredita no que diz. Vejam bem, eu venho de um lar caótico onde a comunicação era truncada e virava munição de guerra. A cada vida que me passa percebo tons de crueldade baseados em presunções e percepções de uma mente psicótica, narcisa com um fetiche pelo vitimismo – que no seu entendimento dá carta branca pra ações nada elegantes.

Cada dia mais dona desse narizinho

Embora dos meus quase 40 anos de vida eu tenha convivido com meu genitor apenas dos 0 aos 6 e dos 14 aos 19 anos, eu sou uma perfeita cópia dele em diversos aspectos. Não puxei só seu raciocínio lógico, a vaidade e o tino musical. Eu também puxei o dom com as palavras. A grande – e gritante – diferença é que eu não ajo como se estivesse acima das leis, do bem e do mal. Uso meu dom da escrita para aliviar minhas angústias e fazer auto avaliação – jamais com o fim caluniar outras pessoas para que eu seja vista como boa moça. Minha criatividade fica em cargo de suavizar a dureza do que vivo e de quem sou.

Um professor no primeiro semestre da faculdade nos lembrava de tempos em tempos que qualquer pessoa pode escrever qualquer coisa. Não há possibilidade que os livros, (atualmente posts ou tweets) se rebelem contra os absurdos sendo escritos. Tenho nas minhas memórias mais preteridas algumas historinhas que presenciei e vi com meus olhos que, em parte se contrapõem e em parte se sobrepõem aos devaneios que meu pai escreve. O que me resta aqui, na falta da capacidade de “desver” é o bom, velho e imprescindível pensamento crítico.

A maior parte do que escrevi que envolve meu pai eu guardei. Algumas coisas nem ousei transcrever pra não ter o desprazer de visualizar e re-materializar a dor. E, sendo a pessoa polêmica que ele é, qualquer opinião que eu emita e vá de desencontro às histórias que ele criou, deve desencadear suposições, assimilações e ataques à mim e minha capacidade de ser/dizer/responder por mim. Por medo da retaliação e pra nos proteger, por 20 anos eu optei por não cutucar a onça. Mas o que adianta dar paz à onça quando ela continua a atormentar?

Há pouco tempo, porém, ele resolveu pegar carona numa coisa minha, que só eu, meu namorado e minha mãe tivemos participação ativa. Ele usou minhas imagens e minha (falta de) saúde, forjou tomar rédeas fazendo parecer que 1- se importa 2- se envolve 3- moveu alguma palha pra que minha meta naquele momento fosse alcançada. Materialmente ele fez algo sim: assim como 90% dos meus essenciais e queridos contribuintes – numa vaquinha pro meu aniversário – meu pai enviou R$ 100,00 (cerca de 15€ dos +1400€ que recebi) para meus tratamentos de saúde. Minha tristeza, porém, não é sobre dinheiro. Pra mim nunca foi e jamais será. Me senti invadida pela ousadia do falso protagonismo de uma pessoa que um dia foi importante pra mim.

O que eu fiz com o sentimento? Retomei meus textos elucidativos sobre quem sou, quem somos, quem é quem na minha família e o que cada um colaborou para eu ser o que eu sou. Há comigo uma lista de grandes e ainda maiores traumas – protagonizados pela disfunção de uma família composta por um homem e três mulheres – algo que culturalmente e socialmente deixava nós, mulheres à mercê do ‘provedor’ – apesar de quem ter estado e ainda estar no nosso dia a dia provendo o necessário ser minha mamadi. 

Andrea Vinhal é avó, avô, mãe, pai, amiga, confidente, às vezes filha (not good, mom), sempre generosa, sempre ativa, sempre com a cabeça nas nuvens. Se presta a ser amiga e mãe também dos meus amigos, a quem ela conhece e trata com amor. Ela é um trator mais rápido que seu próprio pensamento e resolve problemas práticos com complicações absurdas, embora tudo esteja muito claro na sua cabeça. Tem seus defeitos, mas são bem distintos do que os olhos e a bagagem do do meu pai o permite ver.

Quando minha mãe se magoa com algo ela esbugalha os olhos e aumenta o tom e velocidade da voz, às vezes grita ou chora. Já meu pai quando se sente acuado ou ferido não demonstra. Sua saída de praxe é ofender e descredibilizar seu oponente – e quantos oponentes ele tem! Sempre está sendo injustiçado de algum lado, seja este o atendente do telemarketing ou um irmão.

Em 2003 (quando meus pais finalmente se separaram após um breve e turvo período morando na mesma casa sem se falar) eu fui morar com minha mãe e passei a ter cada vez menos convivência com meu pai o vendo, no fim da minha estada no Brasil há 6 anos, apenas em pontuais eventos. Eu evitava diversos assuntos para evitar o conflito e optei desde muito cedo por não me pronunciar, porque toda a energia me afetava muito. A última vez que ele gritou comigo foi em 2016, eu já era mãe e achei surreal, mas naquele momento eu já conseguia me afastar e entender que aquele descontrole era uma questão dele, e minha escolha era não me envolver.

Revolution
Contra canalhas só nos resta poesia.

Foi do meu pai que eu herdei o “overthinking”, a capacidade de arquitetar e refrasear. Já fui apta à reação às frustrações de forma acalorada e da transferência de responsabilidade aos meus ‘oponentes’, porém a metamorfose aqui não pára, e a cada dia me torno mais dona de mim e menos sucetível ao drama externo. Na última ou penúltima vez que me deparei sofrendo por atitudes do meu genitor, eu fiz questão de publicar uma carta de amor à todos aqueles que me amam de um jeito que compreendo, me cuidam e me querem bem, estando longe ou perto.

Em suma, mesmo estando numa mesma ocasião as pessoas vivem diferentes histórias, e aqui no meu espacinho eu escrevo a minha <3

Also… Registro aqui algo que acredito e levo como filosofia de vida: o mais rico dom quando se trata de se comunicar é a capacidade de empatia, com o desenvolver de discussões e conflitos de forma saudável, respeitosa e coerente. É a melhor forma de expandir horizontes e nos enriquecer como seres humanos e sociedade. Conflito não significa desrespeito, e a Gramática, meus amores, é acabamento… pura maquiagem.

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Entre Luz e Escombros

O sol, mais uma vez, eu sei

Um dia cinza como outros 250 por ano em Berlim. Quando um pequeno feixe de luz irradia um cantinho da casa lá vai a cachorrinha se esticar e se aquecer enquanto eu permeio uma infindável lista de pendências e urgências num dia-a-dia preenchido com o [que me soa] primordial. O fim do ciclo sempre parece estar logo adiante, com ele o precioso recomeço.

Sabedoria canina

Das vidas que vivi destaco a velocidade (veracidade? voracidade?) em que as coisas pós migração aconteceram (acometeram? atrocederam?). Uma vida pra planejar, vida pra encontrar a creche/pre-escola pra cria, vida pra achar um apartamento permanente [haha, que não era permanente], vida pra se estabilizar [haha2], vida de pandemia/ processo de separação e a longa vida que venho vivendo na antítese do que vislumbrei. No meio de tanta morte delimitando cada etapa, venho percorrendo os feixes de luz – percebendo-os ou não.

Quando o Tarot me mostra a Morte ou a Torre eu vibro a validação. Em pouco mais de 5 anos na Alemanha a Roda da Fortuna segue a girar. Não seria o próximo passo mais leve? Está! Posso confirmar! Não há um dia que não pense o quanto as coisas estão difíceis e não há um dia que não passe por elas de forma menos penosa que outrora. E, apesar da timidez, o sol está lá mais uma vez, eu sei. Seria aceitação?

Aqui a sol é feminino, die Sonne

Tarefeira e viciada em estresse que sou [aos poucos domando esse capataz de mim] sigo como um tratorzinho em busca das tretas que a vida oferece. A burocracia alemã me é um prato cheio na racionalização, o trabalho me exige a prática dessa paranóia. Tá bom Civi, canaliza isso aí e me deixa viver em paz aqui, observando e me conectando com aquilo que não se mede e não se vê.

A jornada do herói do lado de cá se dá num piscar de olhos. E isso num mar de privilégio com a constante de não pertencer a lugar algum. Haja fôlego e força pra tantas heroínas nos dias cinza sem luz solar. Haja-os também pra nossa gente sem amor, dignidade, seguranca nem liberdade. Que possamos em meio a tantos dias cinza (no céu ou na essência) nos apossarmos do sol que reluziu dentro de nós e começarmos mais uma vida, e outra – e outra – e outra. E se no seu caminho tiver um espelho, tome o tempo: se aprecie. Se tiver um raio de sol, respire fundo: se aqueça.

Do lado de cá eu o farei. Quando der. Hoje não deu.

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Como (me) ser? Como se faz?

De quantas dores você se fez? Dores físicas, desconforto, paralisia, desencanto?

Por aqui tenho uma mente tagarela e cruel. Auto punição e julgamento, busca de lógica onde não há, pequenos loops me levando de lugar algum a nenhum lugar, avalanche de ideias não relacionadas concomitantes e muitos outros nada-irrisórios sintomas de quem simplesmente não se deixou e aceitou apenas estar (aqui e agora).

Parei de escrever sobre minhas ideias quando me tornei mãe, passei a escrever sobre a cria que me inspirava. Vida nova e poesia: renascer com ela, me moldar, me estranhar, me abandonar, me perder de vista — e depois sentir minha falta, me buscar e terminar desfazendo tudo o que eu conhecia como segurança (repetidas vezes, enquanto houvesse algo). E quando só havia pó eu me pus a chorar. O choro dolorido se tornou uma tribo, um ar, um punhado de sentimentos novos e no fim um lar, sempre — as vezes a duras penas — acolhendo a tristeza latente.

Dor. Dizem que por ela acessamos o que somos. Depois de me multiplicar, me transformar e finalmente me perder, me presenteei com uma perspectiva de um enorme nada. Porém, esse nada dizia apenas do desconhecido, ‘nada’ que eu, ex-controladora, fosse capaz de prever. Porém o vazio estrutural se transformou numa infinidade de possibilidades. A única coisa que não deixo de ser: a mãe da Luiza — a menina que veio a ser o meu ponto de partida.

Luizoca Pipoca 6 anos

Problematizo tudo, porém problematizo com ainda mais afinco a maternidade compulsória e o amor materno natural e inato. Um médico que me acompanhava na gestação me deu o aval (porque tem que ter chancela pra autorizar /ironia) de construir meu amor pela minha filha dia após dia, como fiz com outras pessoas. E avassaladoramente veio esse pequeno ser me dilacerando e me fazendo desmontar o que existia pra ser (outro?) alguém — por ela, pra ela e, quando dá, com ela.

Depois de migrar em família desfiz — desfizemos! — um relacionamento de 12 anos, com a as bêncaos dos deuses. [Aceitar o fim de um ciclo é uma grande dádiva que nos liberta de uma vida que poderia ser desastrosa. Poderia não ser, mas não sabemos porque escolhemos o desfecho :}] Encaramos uma dor, quase do tamanho do amor pela miúda, que se alastrou por meses ou anos, nem sei… [e alguém sabe contar tempo pós pandemia?] Eu só sei que passou. As vezes mais, as vezes menos. Dia após dia reconstruir uma outra relação familiar sem o componente romântico entre os pais. Me recompor e me centrar pra tentar descobrir , por debaixo das diversas camadas pensantes: eu?

Viajando sem ela mas tirando foto pra ela

Perdi as contas de quantos insights, por vezes contraditórios, vieram delineando esse esboço da mulher que sou. [Há muito pouco tempo me permitindo, ainda com certa estranheza, me chamar de mulher… como se finalmente tivesse aceitado crescer.] I am a free lady trapped by the system, repito pra mim e pros outros quando algo não-previsto ou não-convencional passa por mim. De fato estamos todos de alguma forma ligados / presos a um sistema que nos impede de reconhecer e conhecer o lado de lá do espelho.

O bom e velho: eu não sei o que quero, mas sei o que não quero. Tenho menos saúde — Gracias long Covid. Porém: tenho mais leveza, aceito menos cobranças, sou mais debochada, menos articulada, mais curiosa, menos conectada… e tenho uma amável facilidade em me conectar com minha filha, e isso muitas vezes a única coisa que realmente me importa.

Com quantas dores você se fez? Qual a forma do seu acalento? O meu continua perdido, no entanto o percebo um cadiquim no sorriso (atualmente) banguela dela. Aquela que um dia há de se orgulhar de uma mamãe que ousou fazer um tudo de coisas fora do script. Doa o que doer.

O resto é consequência.

PS: 2022 e pelo visto ainda escrevo sobre maternar.

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Pacificamente Desajustada

Originalmente postado em 17.11.2019

No meu finado, perdido e, até o dado momento, irrecuperável blog eu mencionei por diversas vezes o estado do migrante de não ser daqui nem de lá. Meu pai costumava me dizer quando criança que isso traria uma permanente insatisfação. Hoje ele mesmo migrou — mais de uma vez — e eu me percebi alinhada e confortável com o sentimento sou-de-lugar-nenhum.

o lado de lá daqui

Tenho uma ligação forte com alguns lugares específicos, uns conhecidos outros ainda não. Minha crendice/espiritualidade me convence que a conexão vem de outros planos enquanto minha inadequação e inquietação se sustentam onde quer que eu vá. E independente da conexão, eu amo viajar e poder ver gente e culturas diferentes do que sei.

Quem me conhece bem sabe que tenho dificuldade com algumas dualidades e fonemas específicos, aprendo devagar e quando falo misturo esquerda com direita, antes com depois, água com égua, sem vergonhice com coragem e beber com comer; opostos ou similares, nenhum termo será salvo. Feio, bonito, errado, certo, devagar, lento, limpo e sujo ganham significados únicos dentro de 6 bilhões de cabeças, moldados por seus respectivos repertórios.

Eu, business-bruxa e executiva-podicrê, que dou risada falando sério e choro de alegria, passei os últimos dias em trânsito entre reuniões de trabalho, relatórios importantes (pra quem?), uma saudade do tamanho do planeta e reencontros mágicos, somando pontinhos e criando conexões pra minha vidinha.

Encontrei uma prima incrível que não via há pelo menos 2 décadas, reencontrei meu best friend da época da faculdade e padrinho de casamento, não vejo minha filha há mais de 3 semanas (e ela está sapeca e plena visitando a família), conheci pessoas que deram faces à um parceiro de trabalho de mais de 2 anos, em breve eu pisarei no quarto país em 30 dias e vejo claramente mais um turbilhão de trabalho pela frente. Estou feliz, triste, animada, estressada? Não, sim, plenamente, certamente e de forma alguma. E tudo bem; o confuso me soa realização pessoal. O estresse de trabalho incluído, com a lindeza de saber que é só trabalho.

Por uma série de motivos e acontecimentos somados à terapia e treinamentos tive a graça de entender que meus sentimentos não são quem eu sou. Tenho raros picos de alegria, normalmente em shows de rock ou num parque debaixo do sol com minha família. No restante do tempo eu aceito, confio, entrego e agradeço, o resultado é paz.

Sair dessa linha de raciocínio as vezes acontece, errar faz parte do aprendizado dá graça à vida. Vai ver meu finado Blog morreu pra ninguém mais precisar ler o que não era mais eu.

Desculpa se disse bobagem, é que não sou daqui (marinheiro só).

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Passagens

Faz tempo que bateu aqui que a graça dessa vida é superação e gratidão. Eu vim pra Brasília/São Paulo depois de 1 ano e 2 meses de Berlim. Agora estou a 36 horas de partir de volta pra casa.

Estou terminando a jornada de quase um mês no Brasil com encontros lindos na memória, abraços infinitos que afagaram meu coração e chorinhos divinamente consolados pelos anjos amigos que a vida me deu – que são minha grande fonte de gratidão e aprendizado.

Na última semana eu encontrei minha amiga Sandra, que me foi apresentada em 2008 pela primeira chefe, Gigi – que sempre digo que foi quem me ensinou a trabalhar. Trabalhei também com a Sandra, que me dava lições diárias de garra, persistência e compaixão. Nós nos tornamos amigas.

Na última quinta eu tinha uma reunião pra qual Sandra me ofereceu uma carona, mas por força do destino foi cancelada e tivemos tempo para um lanche juntas. Conversamos sobre os rumos da vida, os replanejamentos, reestruturações; a beleza da resiliência e da simplicidade.

Ela estava leve, sorridente e com a gargalhada gostosa de sempre. Me prometeu uma visita no meio do ano, já que seu filho do meio vai estar por ali. Mas nós não sabiamos que ela estava encerrando seu ciclo no nosso plano. Eu não consigo mensurar o que senti quando soube da sua passagem. É devastador saber que uma mãe foi embora. As mães deviam ser eternas.

Tive um colapso seguido de resgate – de novo esses amigos-anjos me ajudando a me curar. Minhas crenças se sobrepõem às lágrimas. O susto aos poucos vem dando lugar às orações – que pareciam caça palavras ontem. A sensação de dormência vai dando lugar à gratidão por ter uma amiga como ela cruzando meu caminho. Gratidão ainda maior por tê-la encontrado há poucos dias e testemunhado a leveza que ela sempre mereceu.

Minha irmã ontem mandou um texto que dizia: “Quando chegar o momento de partir dessa vida, uma pessoa iluminada, que vive em paz e em harmonia com o mundo inteiro, se moverá para uma dimensão de total benção e alegria.” E assim é.

Eu espero ainda ter a oportunidade de dar todos os abraços possíveis em todos os amigos enquanto estamos por aqui. E que meu ego compreenda que para morrer basta estarmos vivos. Não é preciso entender, apenas aceitar. Enquanto estamos aqui, o melhor a fazer é crescer, superar, agradecer e amar.

PS: Acho que as mães são eternas, afinal amor de mãe não acaba.

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Maternagem Eterna

Tento fazer do meu blog algo além da maternagem, mas não por acaso tenho sido mãe 24h por dia. E nunca pensei que essa tarefa fosse me pertencer, muito menos ~tomar tanto tempo na minha vida. Porque mesmo quando eu estou estudando, quando estou escrevendo, quando estou passeando, eu sou mamãe. E minha prioridade 1 na vida é ter uma cria saudável; a número dois é tentar ajudá-la a se tornar um adulto forte, de caráter e, acima de tudo, humano.

Depois disso vem aquela parte de diversão, grana, carreira (hahaha) e sei lá mais o quê. Claro que a gente não pausa uma parte da vida pra viver outra, mas é nítido como atualmente tudo gira em torno do bem estar da nossa família.

Pois bem, eu parei de amamentar a Luiza faz uns 2 ou 3 meses, eu não sei ao certo. Não planejei o desmame e acabei não memorizando a data em que ele aconteceu. Desde então eu convivo com muitas mães que ainda amamentam, com filhos – em sua maioria – menores que Luiza, e sempre me vejo tentando falar algo sobre a minha experiência, embora eu tenha convicção de que não necessariamente vai ajudar. Daí entra o meu exercício de empatia e acolhimento – e menos falação.

Mas aqui é meu lugar de falação, hehe.

Não vejo obrigatoriedade da amamentação e agradeço aos céus por ter amamentado a Luiza tanto tempo, mesmo achando que, na minha percepção pessoal, não parece tanto tempo assim. Cada caso é um caso, e o meu por sorte foi muito mais suave do que vejo por aí.

Sim, houveram incontáveis noites em que ela acordava incontáveis vezes. E ela mamava e eu dormia. Em várias ocasiões ela também doriu na própria caminha até 3 ou 4 da manhã, pra depois acordar 5-9 vezes antes das 8h. Eu não fiquei sã o tempo todo, as vezes eu ficava bem cansada. Mas daí eu pensava no quanto ela ia ser bebê por pouco tempo. Eu mesma tô aqui com 33 anos e só mamei até os 3. Depois passei a dar outros tipos de trabalho pra minha mãe :)

Agora estamos numa fase super tranquila. O Terrible Two é uma grande piada por aqui, ela chora pra fazer coisas que já estão em curso, mas também para logo. Quer fazer tudo sozinha. Na maioria das vezes eu deixo, e pronto. As vezes ela chora porque não quer que eu escove os dentes dela, mas em 20 segundos ela abre a boca e se contenta em segurar a ponta da escova. Eu tenho um anjinho, ela é um amor, ela passa dias sem chorar, consegue se comunicar muito bem e isso diminui bem sua frustração ; talvez por isso ela chore pouco. Confesso que tentei me preparer pra algo muito pior.

Ela no mundo

Mas como se sabe, cada um sabe a dor e a delícia da sua própria vida, e por aqui eu aprendi a agradecer pelas bênçãos, pelas tretas e entender que tudo é normal. Vai ter dia difícil, vai ter dia mágico e faz parte da vida, então me altero pouco. Imagino que, por uma eventualidade, a vida pode acabar aqui, amanhã, ou daqui a 100 anos, e não quero estar pensando que estava me lamentando. É um exercício pesado no início, mas eu me acostumei e hoje agradeço até pelas chuvas e pelas meias rasgadas.

E em dias terríveis de decepções, mortes, desesperanças políticas, impasses… nada melhor do que ter um amor imenso sorrindo e dando esperanças de que em algum momento estes seres de luz vão fazer o mundo brilhar.

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Pedro Voa Souto

Eu não convivi com Pedro. Embora ele tenha almoçado na minha casa, tenha tocado por um curto período com meu marido, eu estava numa fase conturbada, delicada e não consegui interagir com ele. Porém testemunhei a admiração enorme que Fabricio tinha por aquele garoto.

Um monstro em talento, uma enciclopédia do rock (deixando nossas enciclopédias favoritas boquiabertas), um sorriso doce. Quando ele me foi apresentado eu não acreditei que aquele menino era tudo aquilo que ouvia dizer, não o associei às histórias que ouvi, levei uns 20 minutos depois do encontro pra entender que aquele Pedro era “o” Pedro. Era 2011 ou 2012, não sei com exatidão, mas ele era ainda mais jovem, com cara de criança mesmo, rs.

Os anos se passaram, e como a maternidade veio eu perdi o fio da meada no rock. Mas via os vídeos no Facebook, acompanho à distância a genialidade dos garotos brasilenses fazendo jus ao rótulo da cidade de “berço do rock”. É de uma energia incrível, a forma como a cultura vem se desenvolvendo – independente, forte, psicodélica, inspirada e louca.

foto de Artur Dias

E Pedro representa essa energia, com um grande peso em carisma, amabilidade e o puta talento (com o perdão do palavrão pela falta de um termo maior). Ele estava lá. Não está mais – não neste palco, não neste plano.

Eu creio nos planos divinos, acredito que não há acaso e que jovens que fazem a passagem “cedo” cumpriram seu papel. Mas isso não me impediu de estar abalada. Uso todos os argumentos possíveis pra tentar acalmar meu marido, mas enquanto falo o que penso meu coração chora junto.

Me vem flashes dos amigos sorridentes, falando do Pedro com um amor e admiração profundos, dos vídeos de assisti há menos de um mês da banda em que ele tocava e me engasgo. Quando soube que ele estava mal eu jamais acreditei que este seria o desfecho.

Tenho raiva por ter aprendido a sofrer com a morte. Acredito que é uma passagem, que pra morrer basta estar vivo. Se houvesse distinção de idade, caráter e talento o Pedro estaria aqui.

Aos amigos em comum, aos familiares dele … que o tempo conforte seus corações. E que ele esteja em paz. Aqui em casa seguimos em luto, porém seguindo.

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Renovação

Passamos alguns dias sem post com a visita do tio Dindo da Luiza aqui em Berlin. Tenho muito orgulho de ver como o tempo passa e a pequena nutre o amor pelos familiares apesar da distância, e entende como precisa aproveitar a presença, pois estão nos visitando – ou seja, vão voltar pro Brasil em breve.

Isso significa que ela passa os dias com um excelente humor, distribui abraços, sorrisos, faz graça e no fim se despede sem choro, com abraço forte e muito carinho. A gente acha que ela tem uma tristezinha nos dias que se seguem, que acaba sendo demonstrada com dificuldade de sono e um pouquinho de choro, mas ela não questiona a condição de estarmos aqui e eles não.

Eu acho que já mencionei isso aqui (to com vestígio de enxaqueca e muita preguiça pra me certificar, sorry), mas acredito que a Luiza crescendo com acesso a duas línguas e meia, tendo uma cultura dentro de casa e outra na rua, com horas de Skype, visitas e amor, vai ter uma construção diferente da nossa quando se trata de saudade e distância.

Eu assimilei que as vezes estamos próximos das pessoas fisicamente, mas o coração tá distante… e vice-versa. Porém eu assimilei isso com quase 30 anos, já ela tem 2 e é assim que tento ensinar. Fico feliz quando ela, espontaneamente, no meio da nossa oração, agradece pela casa nova, pelo metrô de Berlin, pela neve e pelos avós e tios. São indícios de que ela ama tudo que a cerca por aqui, e tudo que deixamos lá.

Recentemente fui buscá-la no Kita e ela pediu pra dar um abraço numa das cuidadoras antes de ir. O abraço levou tanto tempo pra terminar que fiquei levemente constrangida, mas a Soledad (sim, ela é chilena e muito amorosa!!) parecia estar curtindo aquele abração sem fim tanto quanto a Luiza… O constrangimento virou orgulho e gratidão.

Receber gente que amamos na nossa casa, no país que escolhemos e nos escolheu, é revigorante e acalentador. Continuamos lutando pelo nosso espacinho aqui, pela integração, conhecendo mais gente, mais lugares e felizes e pelo que vem acontecendo no nosso percurso.

Danke, Deutschland!

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Eis

Essa semana eu tive prova do curso de alemão. Tô basicamente na metade do que seria o nível básico de alemão.
Minha maior satisfação foi saber tudo o que estava sendo dito na prova inteira e entender as questões. O bônus foi ver os colegas que eu acho que falam muito melhor do que eu me pedindo cola, hahahaha.

Eu percebi que realmente tenho uma afinidade com a gramática, pelo menos no nível básico que tenho sido apresentada. Os fonemas estão se tornando mais familiares, porém preciso ainda de muitas horas diárias pra criar a memória auditiva. O fato de sermos uma família brasileira é maravilhoso em mil aspectos, principalmente pela certeza de que Luiza jamais perderá o português que ela exercita com a gente. Mas passo 90% do tempo vivendo em Português, e isso “atrasa” o desenvolvimento da terceira língua.

Não posso dizer, porém, que não estou satisfeita. Hoje eu me vi na mesma sorveteria que estive há 6 meses. Da primeira vez eu não fazia a menor idéia do que eram os nomes dos sabores e a minha amiga precisou pedir pra gente. Hoje eu entrei, na fila captei algumas conversas, ri do vendedor brincando com as crianças, compreendi os sabores, escolhi, pedi certinho, educada, respondi as perguntinhas básicas do atendimento (tipo copo ou casquinha!) e me despedi agradecendo aos céus por saber como as coisas mudam.

Além disso, tenho me percebido uma fã incondicional do meu quarteirão e seus arredores. A sorveteria natureba, a cafeteria famosa, os restaurantes deliciosos, os bolos do café da esquina, o visual do restaurante/livraria, as galerias de arte, a padoca de 130 anos… E morro de emoção quando reconheço alguém com quem já troquei um bom dia ou pedi uma informação andando aqui no bairro. É muito bom se sentir em casa poucos meses após mudar de continente.

Talvez seja pela minha cerveja favorita, talvez pelo queijo divino que comprei na promoção por menos de 2$ ali no mercado. Talvez seja pelo sol que saiu hoje e deu um sample de primavera, pela visita do cunhado ou porque mamãe e irmã jajá estão chegando também pra visitar… O mais provável é que, pela soma de tudo e por um tanto mais que tem acontecido: estou feliz como há muito não me sentia.

Ich freue mich auf die Zukunft.

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Um pedido

No dia do atentado em Berlim estávamos voltando de um supermercado quando soubemos do episódio. Rapidamente entrei no Facebook e vi algumas pessoas que já tinham feito contato preocupados com a gente, mas vi também uma ferramenta fofa pra você se marcar “a salvo”, e assim o fiz. Aos poucos, todo mundo que tenho contato aqui foi fazendo o mesmo.

O local dessa tragédia é a uma estacao da que estive naquela tarde pra ir pro curso de alemão. Dá pra ver um lugar a partir do outro. É bem perto de casa, mas nâo é na minha esquina. E nós só passamos por lá uma única vez, ainda de férias, no verão.

Surgiu na minha cabeça aquela sensação de estar com o perigo por perto, mas eu resgatei a segurança que sinto diariamente caminhando pelas ruas por aqui – coisa eu evitava fazer desde que me mudei pra Brasília em 1998, quando soube de um assassinato de um garoto na quadra vizinha à luz do dia.

Passado o susto, passada a sensação de terror e a lembrança de que há muitas outras vítimas inocentes ao redor do mundo, comecei a fazer orações pelas almas e seus familiares. E, além disso, fui contemplada com a sensação de gratidão. Pela minha vida, pela saúde da minha família, pelo livre arbítrio e por todas as decisões que nos trouxeram até aqui. E, principalmente, pelo entendimento do privilégio que é poder estar onde estamos e tentar fazer algo bonito com isso.

2016 ainda não acabou… tem sido um ano desafiador. Em 2017 que tenhamos sabedoria, empatia, amor e humildade em doses cavalares. E que não nos deixemos rotular, generalizar, odiar ou desistir.

Sejamos fortes.

Paz.

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